11 de dezembro de 2017

Direitos humanos e a questionável reforma da PROvidência


Photo by mlsirac on VisualHunt.com / CC BY-NC

Salvo engano, uma das maneiras de conceituar ideologia é o ato de elevar o particular ao status de universal ou de sonegar a contradição e a parcialidade que habitam as ideias.

No Brasil, o efeito ideológico é nítido quando o debate de ideias aciona a expressão “Direitos Humanos”.

Entra imediatamente em cena o slogan “Direito Humano só defende bandido”.

Conversando com uma prima, no último sábado, ponderávamos sobre a duríssima gestação dos direitos humanos até ser erguida a noção de que, antes de qualquer lei ou pena, existe o pressuposto da dignidade humana, independentemente de posição social, título, faixa etária.

Os direitos humanos, sejam fruto de sistemas legais ou dos costumes, são responsáveis por cultivar verdades que hoje soam “inquestionáveis” e óbvias, mas que, antes do século XVIII, não o eram. O direito a educação, saneamento básico: sim a ideia de que o ser humano tem o direito de beber água potável, independentemente de ter dado sua lua de mel ao senhor feudal, é fruto da lenta e árdua construção do edifício dos direitos humanos.

E antes que alguém me diga: “Queria ver se estuprassem ou assassinassem quem você ama se você continuaria a favor dos direitos humanos”, quero dizer que os direitos humanos têm como função corrigir os excessos e distorções fundados por paixões como o desespero, a vingança, o fanatismo, a tirania e a intolerância.

É grande a probabilidade que, numa situação-limite, as referidas paixões me assaltem, mas o direito humano é maior do que eu assim como o mundo é maior que o feudo, o templo, o partido ou a Igreja.

Se quem comete um crime tem grandes chances de sair impune enquanto um policial em legítima defesa corre o risco de ser punido mais severamente que o criminoso, não é a versão brasileira do código de Hamurabi que vai consertar esta distorção.

Não é expondo o criminoso a torturas, linchamentos e degradação extrema que se corrigirá o vício da balança da justiça brasileira. Afinal, nossas paixões não estão livres de pesarem as coisas de maneira distorcida e míope. Desta forma, o próximo a ser linchado ou tragado pelas torturas de um sistema carcerário sucateado pode ser você ou eu.

Não é o direito humano o problema, mas sim a seletividade expressa numa pergunta que parece arder no inconsciente da coletividade brasileira: “Tal ou qual pessoa é digna de ser considerada digna?”.

É um erro pensar que defender o fundamento da dignidade humana é ser a favor do crime.

Por que não posso ser a favor da melhoria das condições dos presídios e, ao mesmo tempo, achar que os presos deveriam, com seu trabalho, pagar por sua estada na penitenciária?

Por que não posso desejar que o rol de situações legítima defesa, no caso da conduta policial, seja ampliado, sem, com isso, ter de defender a máxima irrefletida de que “Bandido bom é bandido morto”?

Não será a aplicação da tortura ao réu, antes que ele seja condenado, que vai corrigir a falta de intensificar a atuação dos direitos humanos em prol das vítimas, o que inclui a aceleração dos processos judiciais e a revisão da relação desproporcional entre pena e delito.

A Grécia Antiga considerava o estrangeiro indigno de ter direitos.

A Europa considerava os colonos indignos de ter direitos e os escravos indignos de ter personalidade.

O Ocidente considerava as mulheres indignas da maior parte dos direitos que tornam o ser humano digno.

Estamos passando por um momento em que uma parcela da sociedade parece estar escaneando a história humana em busca de “soluções” que indignificam o ser humano, tentando reviver pretéritos mais que imperfeitos.

Não vai ser eliminando os direitos humanos da equação da justiça que se vai torná-la mais justa.


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