18 de julho de 2017

A ressurreição que dói


Ressurrection Bay
Helder Ribeiro via Visualhunt.com / CC BY-NC-SA


A ressurreição dói, eu não sabia
Como um sol que nasce anoitecendo
Um pássaro sem ter futuro onde pousar
Pois lhe sobra juízo e lhe falta dia

O rosto do meu reflexo vive banhado de sudário
E, se ressuscitar é morrer de trás pra diante,
Desdoer também dói

O anjo deu uma demão de cais no meu sepulcro
Desde então, a ressurreição espera a chegada de um barco
E a vela procura fôlego num beijo

Estou ressuscitando e o teu Não me toque
Continua me crucificando
O detalhe é que de Cristo não tenho quase nada
Só a mania de acreditar sem ver

O que será de um ressuscitado
Se ele for predestinado a não ser achado por seu novo amor?
Que eu possa deixar todos os sinais de arrombamento
No calabouço do segundo dia

Cala a boca de um Nunca Mais
Que censura meus sonhos
E discorda do meu acordar

Será que ressuscitar é um remédio que
Só faz efeito para quem consegue
Um convite para fora de si mesmo?

Um convite que tem demorado a chegar
Posto que o anjo apagou meu endereço,
Mas a carta não pára de chegar
Só pra me lembrar que jamais serei o destinatário

Neste baralho, por enquando não passo de um ás de ferrugem

9 de julho de 2017

Dire Fags ou sinais de arrombamento em uma árvore de harpas

Flor da Ingazeira



De repente todas as promessas de amor eterno
Tornaram-se juras de nunca mais

Uma Ingazeira afogou-se
Era mais brilhante que uma sarça
E chorava mais que uma árvore carregada de harpas

Foste embora e quem acabou sendo desterrado fui eu


A saudade não conseguiu me levar onde queria
Só conseguiu me atingir com um tiro de arpoador
Que me fez morrer de um ano 1 ano e 10 meses atrás
Até o amanhã de depois




A prata do espelho oxidou
Mas, antes, ele devolveu ao bobo a imagem de um louco que paga as suas contas

Tentando descobrir um jeito de fazer seu rosto bonito
Caber numa cabeça feia
De as entradas de seus cabelos não irem ao banco dos réus
E seus versos de amor não se esvaírem por algum lugar
Que faça jus ao título de arrombado que recebera

Durante um show de folk guitar:
Reencarnação de uma cítara, que chorara às margens de um rio babilônia
Avistando um futuro onde o disco voador dos novos baianos pousava
No heliporto da banda larga dos Dire Straits ou, quem sabe,
Dos Dire Fags.

Façam suas apostas: Ele foi à Igreja ou foi espionar a nudez masculina
Em alguma roleta clandestina?

E todo homem que ele amou se resumia a um com beijo de herpes
Ao som da harpa de Gabriel

Featuring uma harpia 
Que respirar não podia
Por noite,
Preferia




6 de julho de 2017

A obra do escritor que previu o recente enlouquecimento do clima pernambucano

Capa do livro de Rodrigo Capibe
Foto: Cláudio Eufrausino.


Comprando uma tapioca perto de casa, no bairro da Iputinga, zona oeste de Recife, deparei-me com um homem barbudo, olhos esbugalhados, que, com auxílio da Internet do celular, aberta na página de algum instituto metereológico, vaticinava:

“Estão prevendo que, nos próximos dias, Pernambuco terá os maiores índices pluviométricos da história. Tem uma tremenda tempestade se aproximando do nosso litoral.”.

Intempestivamente, linkei a figura daquele repórter/profeta/Barbudo com a de Antônio Conselheiro.
Foi inevitável também fazer uma conexão entre aquele relato profético e o livro Arraial Novo de Canudos (Tarcísio Pereira Editor), lançado em novembro passado pelo escritor Rodrigo Capibe.

Arrisco dizer que nenhum meteorologista descreveria com tamanha vivacidade e precisão a loucura do clima recifense (sensação térmica de 18 graus), das últimas duas semanas, como faz a profecia de Capibe, que, este ano, tornou-se balzaquiano.

Com a devida licença poética e as bênçãos da hipérbole, o jovem autor pernambucano empresta às chuvas o poder de gerar uma catástrofe comparável ao dilúvio. 

Mas, a gota d'água dessa situação foi o surgimento de um boato de que uma represa situada num dos municípios da Região Metropolitana de Recife, estourou, repetindo a trágica situação ocorrida na década de 1970, inundando a capital de Pernambuco.

E esse dilúvio é, literalmente o divisor de águas do romance, cujo título é o nome de uma escola pública onde o personagem principal, Tibério, recém-formado em Biologia, leciona.

Mesmo fortemente influenciado pela noção darwiniana de Seleção Natural, Tibério, conflituosamente, oscila entre acreditar que o ser humano é um Bom Selvagem e crer que as pessoas são como certas espécies de formiga que raptam larvas de outros formigueiros e as criam para depois fazer delas escravas.

Sem se dar conta, as formigas reféns pensam ser “iguais” às demais quando, na verdade, desempenham tarefas para as quais as escravizadoras não estão fisicamente preparadas. A ironia é que as formigas escravocratas dependem totalmente das escravas para sobreviver.

Este dilema atravessa o livro inteiro. Professores que tentam fingir reproduzir um modelo de sala de aula esgotado, onde o Mestre controla os alunos, mas que, interiormente já se deram conta de que dependem da cooperação dos estudantes para ter êxito: algo que coloca o professor numa encruzilhada cortada pelo entusiasmo, o medo e apatia.

A tragédia pluvial, narrada por Capibe, é uma das faces da moeda. A outra é representada pelo caos de uma sociedade que se esforça para ser pós-moderna, mas não consegue se libertar do autoritarismo dos antigos engenhos.

Com refinamento, o autor exibe as diversas identidades desse caos que, à luz da rotina e da urgência da urbe, permanece oculto aos olhos inertes dos adultos e dos adolescentes.

Tibério é também narrador e, nesse papel, veste o instigante tédio de outros narradores-personagens como Bentinho, em Dom Casmurro, e Graciliano Ramos, em Memórias do Cárcere (autobiografia).

Surpreendentemente, o final do livro acontece antes da metade, antes do divisor de águas. Mas, isso não impede a obra de continuar e, mesmo depois do fim, atingir o clímax.

E o pós-fim (o fim depois do apocalipse)? Deixo aos leitores a oportunidade de “julgarem” a alternativa encontrada por Rodrigo Capibe para lidar com este paradoxo.
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