2 de janeiro de 2017

As ações do terrorista brasileiro e os nós inflamados do tempo

Fonte da Imagem: Tyn Magazine


O que se chama de sociedade em rede se caracteriza pela interconexão de informações, pessoas e, sobretudo, de memórias.

As redes têm nós e estes nós podem ser pontos de suavização  ou de inflamação da interconexão.

A rede temporal ressignifica  a ordem clássica do tempo, entendido por Kant e Newton como a sucessão irreversível de passado, presente e futuro.

O tempo em rede tende a ser intemporal, como observa o sociólogo Manoel Castells. Diferentemente da linha do tempo, o tempo estruturado em rede forma nós a partir da interconexão entre diferentes trechos do livro histórico da memória.

É o que se observa nas atitudes de grupos neofascistas, onde um nó hiperbólico e inflamado cria um canal de contato com a memória histórica dos regimes totalitários italiano e alemão, cujo ápice aconteceu na Segunda Guerra.

O que diferencia a estrutura em rede do momento atual é a velocidade com que memórias se convertem em discurso e deságuam em atitudes, unindo reflexões de alta complexidade em torno da irreflexão fanática.

O italiano Antônio Gramisci , duramente perseguido por seu posicionamento político, observa que existe um gap, um desnível entre a infraestrutura (mundo da produção material) e a superestrutura (mundo das ideias e valores), não havendo correspondência imediata entre uma e outra.

Contudo, o que se percebe, na sociedade em rede, é que esse desnível está diminuindo, mas não em virtude das conquistas tecnológicas que viabilizariam o estreitamento da distância entre criatividade e realização.

Estão sendo esculpidas hediondas quimeras, mix de preconceitos ancestrais, mitificações e ciência/filosofia fast-food. Jovens, com horizontes estreitados pela ideologia do imediatismo e lucro às avessas (lucro que se contenta com o prejuízo alheio), buscam na violência canal para converter automaticamente superestruturas bizarras em infraestrutura de violação do ser humano.

Evidentemente, essa tentativa artificial de conversão automática da superestrutura em infraestrutura tende a atitudes voltadas para a aniquilação do diferente.

O ódio gerado desse impulso talvez não seja contra as minorias, mas contra a inflamação que os nós dos estilos de vida alternativos representam para os que se julgam donos da linha do tempo e gestores da memória. Os fanáticos, tirânicos e intolerantes enxergam nesta inflamação não a flama que mobiliza o ser humano rumo à criticidade e à emancipação, mas sim uma doença. 

Em carta, o brasileiro responsável pelo atentado covarde em Campinas, matando a ex-esposa e outras 11 pessoas, culpou a emancipação feminina por seu gesto, em uma espécie de louvor ao suposto paraíso perdido da supremacia do macho.

Talvez, esta ilusão machista seja somente uma das vertentes de um nó inflamado na estrutura de tempo da sociedade em rede. Inflamação do orgulho ferido de uma geração narcisista, que esperava ser superior econômica, moral e culturalmente a de seus pais, mas não foi. E onde há esse tipo de orgulho ferido é solo fértil para ideias fascistas que buscam “degenerados” para servir de bode expiatório, sacrificados no altar da frustração. Os orgulhosos feridos se contentam, então, em endeusar um suposto passado ideal, mantendo aberta a ferida ao invés de passar elixir sanativo.

Karl Marx chegou a afirmar que a razão humana só liberaria seu potencial, isto é, a criatividade, ao fim da exploração de um ser humano por outro. Nossa razão tecnicista e complexificada, disfarçada de criatividade, tem tido profunda dificuldade de enxergar isso.

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