14 de janeiro de 2016

Hoje eu quero sair só, mas tá difícil!

Foto: Karla Vidal


Sair só tem lá suas vantagens, embora, neste momento eu só consiga detectar a vantagem de poder ir ao cinema depois de meia-noite e não precisar assistir filme dublado porque sua companhia não gosta de ler as legendas.

Lembro agora outra vantagem importante para a manutenção do equilíbrio psíquico: a de não precisar fazer coincidir as agendas e os desejos dos dois lados da equação (inequação?) chamada Encontro.

Mas, o debate aqui é outro, minha cara Fátima Bernardes!

O objetivo é recordar os casos em que o invisível, inaudível, porém gritante, sinete da vergonha é colocado no pescoço de quem se aventura a exercitar a flânerie.

Emblemático o caso das praças de alimentação dos shoppings que, até pouco tempo, obrigavam os sozinhos a disputar vagas em mesas de quatro ou mais pessoas. Dificilmente o sozinho irá topar ser bombardeado por olhares de raiva, ocupando um lugar numa mesa em companhia de três ou mais cadeiras vazias e ociosas. Não é assim que funciona na brincadeira da Dança das Cadeiras, ao menos que a música de fundo seja a da vergonha alheia.

Quando o sozinho dá sorte e acha uma mesa disposta a abrigar exilados, tudo bem! Porque não tem coisa pior do que ficar com a bandeja na mão enquanto as maçãs do rosto esquentam e ruborizam.
Tem também o caso mais raro de encontrar uma mesa perdida com dois lugares. A parte de vergonha que cabe ao solitário nesse minifúndio é menor quando ele é obrigado a dividir a refeição com um único lugar improdutivo. E se aparece outro sozinho e o sozinho número 1 o chama pra dividir a mesa, melhor ainda.

Lembro do caso de uma senhora que chamei pra dividir a mesa de dois lugares comigo na praça lotada. Ao final da refeição, ela se despediu e comentou: “Não desista nunca de ser gentil”.
Pois é, e então?

Sobre essa questão da mesa arquitetada para dois habitantes, os paisagistas parecem tê-la concebido para os recantos esquecidos do “bosque”, onde somente os garçons de boa-vontade visitam. Se bem que o sozinho que consegue conquistar a simpatia de um garçom terá nele um aliado fiel.

O sozinho também tem de enfrentar a síndrome do Foi namorar perdeu o lugar. Falo isso por experiência própria. Pense no constrangimento que é o indivíduo ir ao banheiro  fazer um mísero pipi e quando voltar encontrar o maitre colocando um casal à mesa em que você estava, sendo que você havia comido simplesmente uma fatia de pizza.

O sozinho tem de carregar sobre si também o peso da desconfiança. Mais ainda se desfila sua solidão com recorrência pelos lugares. A suspeita de que se trata de um mau elemento recai insistentemente sobre o sozinho, além daquela velha desconfiança de que o sozinho que olha para os acompanhados lhes quer roubar ou é algum tipo de tarado. Mas, felizmente, esses casos são mais raros.

Em todo caso, o estar sozinho tende a ser visto como algo contagioso. E, por isso, os sozinhos são tacitamente convidados a permanecerem em suas casas, a serem lembrados anualmente. Mas, este é só um dos lados da moeda. Isso porque o sozinho pode também ser encarado como um lugar de passagem, como uma estalagem, uma estação de trem ou um albergue espanhol, onde as pessoas desembarcam seus problemas, confissões, mágoas e depois se vão.

Costuma-se também confundir o sozinho com o solitário. E acontece como já presenciei de o sozinho entrar numa sala de cinema e ter de aguentar o comentário de um impertinente que diz: “Deus me livre de ir sozinho pro cinema. Coisa mais depressiva”.

Bem, se repararmos bem, despindo-nos do preconceito no qual a ideologia do amor romântico nos molda, o estar sozinho é parte de nossa rotina. Paramos no meio do trajeto para caminhar sozinhos, para ver o mar e a natureza e compartilhar de suas solitudes, pra ver a lua. Sei lá, pra ter o prazer de fazermos companhia a nós mesmos.

Como diria Sartre ou Camus ou outro dos filósofos existencialistas, mesmo acompanhados estamos sós e os momentos decisivos – o nascimento e a morte – são eminentemente de solidão.
Estar sozinho e sentir-se à vontade. Estar acompanhado sem medo de estar sozinho. Eis algo pelo qual este século merece lutar com as armas do carinho e do respeito.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...