27 de dezembro de 2016

À primeira vista pela centésima vez ou o que significa daguerreotípico


Fonte da imagem: Freepik


“Será que com paciência ou por força do hábito, você me amaria?”
“Eu já te amo”

Eu já te amo e quero te esperar quando voltares da noitada
Pra contar ao meu abraço como teu ser feliz com os amigos
Adquiriu o hábito de continuar a ser feliz comigo

O teu Eu te amo de hoje será no meu apartamento ou no seu?
Acho que vou gastar a maior parte da mega da virada em Diesel (o combustível e não o ator cafajeste)
Para abastecer meus voos ao teu encontro

Quando vi mencionado teu sorriso adolescente por trás de um relógio de pulso
Meu coração achou motivo pra me apaixonar à primeira vista pela centésima vez
Você não precisa convencer os fotogramas de que é hermoso
Porque até tua charmosa indecisão daguerreotípica
É prova mais do que suficiente: da fiança e do crime

¿ Se um dia estivermos num lugar com um grupo de pessoas que diga que
Não tenho ninguém pra amar,
Você vai ter coragem de dizer: “Ele tem a mim”?

Faz amor comigo até meu nome correto brotar

Do teu silêncio

25 de dezembro de 2016

Considerações sobre a pequenez de Jesus


Foto: Cláudio Clécio


O Menino Jesus representa o poder do pequeno, do frágil, do desamparado
E que ainda assim é capaz de fazer a estrela mais brilhante se tornar coadjuvante
O ouro mais precioso, o incenso mais sensato e o perfume de maior valor
Não cabem a grandeza do pequeno Amor que teima em nascer
Onde não haveria lugar para

Jesus Menino visita nossos não-lugares
As portas fechadas em nossa cara
Nossos gestos pequenos, seja pela humildade ou pela mesquinhez

Um rei temeu um bebê desarmado
Porque ele trazia uma luz mais forte que qualquer derivado do núcleo dos átomos
Uma luz gerada da intersecção entre o vibrante não-lugar da esperança e o sempre-lugar do Amor

Esse ano, eu te trouxe, de presente, muita diplomacia cautelar, muito estar no fio da navalha, entre a radiante verdade e a tal da pós verdade e também muita birra misturada com Aliás...

Meu amiguinho, tudo que é pequeno e frágil e sangra e ensurdece diante dos mísseis
Tudo que é deserto e anseia pela força milagrosa de uma gota de água
Te exalta

Os brotos de sempre-viva elogiam teu sono
E as pradarias se deliciam com teus sonhos
Pouco importa se você nasceu três anos antes ou depois
E, sendo Maria, virgem ou não,
Todas as mães, que dão à luz com o coração,
Te ninam

Rebobina a Estrela Guia
Porque o reencontro não é inimigo da saudade
Prazer em conhecê-lo

Feliz o Natal que mora no teu nome.

24 de dezembro de 2016

Mensagem de Natal de Santa Bárbara e São Januário a Vladimir Putin e Donald Trump





(Des)prezados,

Sou Bárbara, chamada de Iansã pelos cultos iorubanos. Vivi no século III, na Nicomédia, onde hoje fica İzmit, cidade turca próxima à divisa entre Instambul e Ancara.

Fui martirizada por me recusar a renegar a fé cristã.

Contudo, escrevo não para tratar de questões religiosas, mas sim pela necessidade de rememorar como forma de manter acesa a chama da razão ameaçada pelos fantasmas que saem dos abismos da mente humana para lhe roubar o oxigênio.

Meu pai foi obrigado a me matar, pouco antes da execução da pena à qual fora condenada, que seria a decapitação (por isso sou retratada segurando uma espada. É costume cristão retratar os mártires apresentando pistas do seu martírio.). Se não houvesse feito isso, meu pai teria de assistir à filha ser estuprada por soldados romanos.

Dezoito séculos depois, as mulheres do Oriente continuam conhecendo o terror vivido por mim, como exemplifica Alepo, onde elas se suicidam para não serem estupradas em meio à guerra civil.

Sou Januário, da Itália,  e também fui martirizado, no século III, por resistir à perseguição romana. 

Sangue meu foi guardado num receptáculo e, segundo a tradição católica, liquefaz-se três vezes por ano. Quando isso não acontece, é prenúncio de grandes catástrofes, a exemplo da peste negra no século XVI e da Segunda Guerra, em 1939.

No último dia 16, meu sangue, contido na relíquia, não se liquefez.

Eu, no Oriente.  e eu, no Ocidente. Ambos vítimas do poder que tenta colonizar o espírito, ignorando as fronteiras da dignidade humana. 

A violência e a guerra são o estertor desse esforço brutal de colonizar o incolonizável.

O momento atual conhece refugiados que batem à porta do Ocidente e os refugiados que começam a sentir necessidade de se trancar nas celas em que o pânico está tentando transformar os países europeus...

Refugiados que fogem para fora e aqueles que fogem para dentro... E as redes sociais fingindo o milagre da multiplicação de peixes no deserto.

Há pelo menos 500 anos, como lembra Renato Janini Ribeiro, a imagem do Oriente vem sendo demonizada pelos países ocidentais. Isso sem falar nas intervenções que reconfiguram fronteiras e realocam etnias, gerando conflitos que, neste momento, valem-se do terrorismo para reivindicar direito de voz aos fantasmas.

O fanatismo dos extremistas orientais tenta se vingar desses séculos de publicidade negativa imposto pelo Ocidente, empregando o Terrorismo como "direito" de resposta . E o Ocidente insiste em combater o Terror dando continuidade à propaganda de deturpação da imagem do Oriente.

Se amor com amor se paga, terror com terror não se apaga. Enquanto o Ocidente achar que suas vítimas são mártires e que as vítimas do Oriente são estatísticas, esse circuito vicioso e maldito não terá fim.

Eu, Bárbara e eu, Januário, ambos continuamos sendo martirizados pelo poder que ignora a individualidade e a dignidade em nome dessa oposição mesquinha e miserável entre Ocidente e Oriente, replicando a falida divisão forjada pela Antiguidade Clássica entre Cultos e Bárbaros.


Enquanto o espelho do Ocidente não dignificar os habitantes do Oriente, o fantasma da guerra não achará descanso para seus ossos patifes.

Feliz Natal!


Pátria Celeste, 24-12-2016

Bárbara de Nicomédia e Januário de Benevento




9 de dezembro de 2016

Prece (pressa) a Nossa Senhora da Conceição e da Boa Viagem


Morro da Conceição - Recife
Foto: Clécio Vidal


Nossa Senhora, que tiveste as portas trancadas prestes a dar à luz,
Ilumina as portas que se abrirão para quem, desengonçadamente,
Entrou no meu coração com a precisão de um Miss you

Conversa com ele para que seus ouvidos não fiquem ruborizados quando
Ele se permitir ser, por mim, chamado de Amor

Nossa Senhora dos Desabrigados, que haja vaga pra mim na hospedaria dele,
Quando o meu desterro me permitir dar um pulo nos seus verdes prados e campinas

Pede a Jesus para encurtar a distância entre o nordeste e o sudeste
Lembra a quem amo, mãe, de me convidar a visitá-lo e não esquecê-lo

Nossa Senhora do Retorno, compõe a partitura de uma vitória
Capaz de trazê-lo de volta o mais breve possível
Mesmo ganhando um pouco menos

Nossa Senhora do Aeroporto, que ele queira que meu coração partido esteja presente para buscá-lo nas suas idas
E meu coração inenarrável nas suas chegadas

Que antes de ir, ele possa estar a sós comigo
E tenha coragem de me chamar de Amor
Plantando um segredo que fincará raízes na minha saudade e na dele

Nossa Senhora das Dores, consola essa esquina do meu coração
Onde uma espada insiste em fazer ponto, caftinizada pela distância

Nossa Senhora da Boa Viagem, que a contagem regressiva para o Ano Novo,
Possamos ele e eu fazê-la em japonês, em segredo, embebedados com vinho do milagre

Nossa Senhora da Conceição, que os amores não tenham medo nem vergonha de nascer
Que venham à luz, ofuscando os olhares tacanhas e mesquinhos
E vencendo as trevas das preconcepções

Nossa Senhora da Liberdade, que haja, na independência dele,
Horário disponível para se render ao meu abraço

Nossa Senhora dos Desígnios,
Não seja a minha vontade, mas a do amor e da felicidade

5 de dezembro de 2016

A um Labrador meio vira-lata



Fonte da imagem: Fotos Wiki


Teu sono é lindo e, horas atrás, ficou ainda mais
Com a franja de sonho caindo sobre tua testa

Uma pipa ou, quem sabe, um catavento, airou um sentimento grande, porém sutil, dentro de mim
Uma bomba cuja explosão quer ser capaz de aleijar os gatilhos, descair aviões
Ressuscitar poetas

De mãos dadas contigo teria força e coragem de sobrevoar a linha do tempo, transformando em jardins de azaléias/cerejeiras
Os campos de extermínio, as galés, os tumbeiros, as senzalas, as trincheiras,,,

Você é mesmo um cachorro, um labrador bobão e fofo
E como uma corrente de ar faz meu coração sentir vontade de ser pulmão, 
Uma destemida Amazônia, que prefere a insônia a perder a chance única de te assistir
enquanto Orfeu toca Luar do Sertão

O desejo de você ficar somente é vencido pelo desejo que sejas feliz onde quer que o vento te leve
Se mentes, acho que um pouco
Porém, és mais semente que transforma meus tato, olhar e os etc em terra fértil para germinar sentido

Esses dias, fui feliz sem entender direito por que (o melhor modo de ser feliz, parece-me)
O teu jeito tímido de se convidar a transformar meu deserto em festa
E me dar cartaz: talvez tenha sido por causa disso

Queria ter convencido meu sonambulismo a me teletransportar para teu abraço fetal
Ou meu dom telecinético a arrancar do teu corpo a toalha de banho e a túnica de pudor besta

No teu desembarque, fiquei sem entender
Teu carinho telefônico visitava outra pessoa
E colocava meu coração em queda presa
O paraquedas do desamparo brotou
E o cair em mim recebeu o aplauso cortante de ondas sonoras disfarçadas de nunca mais
De não estar nem aí

Mas, você havia sido tão real e presente
Corajoso e inteligente por ter escolhido minha companhia
Porque eu valho a pena
Valho mais do que o  medo, vergonha ou nojo, talvez
Que as opiniões hipócritas de outrem

Onde está a  nova chance de
Descansares no meu colo acolchoado com amanhã doce?
É necessário reciprocidade a gosto, pero sem pirangagem, pra ensinar o sentimento
A jogar fora a receita e se entregar ao sabor

Espero ser bonito o suficiente: não pra você, mas pra mim
Tá bom! Pra mim e pra você

Você sabia que a letra de Borbulhas de amor é de Ferreira Gullar?
Aprenda com o poeta sobre como o eu que se esconde em você
Pode  me dar uma cantada sem perder o ritmo


Só não consigo evitar que sua tentativa desnecessária de me desiludir me excite

21 de novembro de 2016

Poema do tempo ganho ou Sobre os dioramas de Hari-Deepti



Tranquility - Hari-Deepti
Black Book Galery


Diorama de Felicidades

Daqui a três minutos,
Poderia desejar ser o mais importante em tua vida
Ser totalmente especial
Ou mesmo indispensável

Daqui a dois minutos
Poderia aproveitar que é horário de verão
E pedir

Calma, falta menos de um minuto
E, sob pressão minha poesia ...

Hora zero...

É o primeiro minuto de um momento histórico
Ano novo fora de época

Zero hora e um

Coração já voltou a pulsar normalmente
E a poesia a circular desafiando a normalidade, como de costume

Que bom que no relógio da existência,
Nossos ponteiros nasceram destinados a coincidirem

Espero poder guardar o melhor que sinto por você
para Fora desta poesia
Que tudo venha com calma
E que todos os sentimentos ótimos sejam efeito colateral de nossa amirzade
Que conhece o perdão e reconhece a nova chance
Brotada onde teu anjo da guarda fez sinal
Para o meu estacionar

O sol está esperando tua vida nascer mais uma vez
Para ajuntar mais uma pétala a sua coroa de motivos
Para reinaugurar o horizonte

Tenha um bom dia

Este texto é dedicado a quem fez aniversário hoje

14 de novembro de 2016

Considerações sobre a superlua

Fonte: Megacurioso.com


Inda ontem não sabia que hoje a noite seria salva por uma superlua
Mas, minha mãe já havia desmascarado sua identidade secreta
Essa lua lá, cujo magnetismo me traduz à força sem um pingo de esforço

Lilith chegou, sem medo de expor o solo árido de seu olhar
As impressões de todos os meus dedos foram tocadas pela certeza
De que me prazem as carícias que teu corpo hesitante me insiste

O sol costuma roubar a cena, mas tua coadjuvância
Chama atenção de quem quer esquecer o script da solidão

Mudez e nudez brecham nosso apaixonamento
Pela fresta do enigma
E um ano parece um dia quando o dentro de mim está a teu lado

Mesmo minguante, tu és a coroa do mar noturno
O salto alto das estrelas
A tiara-bumerangue do mistério
O corte cirúrgico na pele da emoção

O sol consegue tornar tudo nítido
Mas, só tuas fases são capazes
De, como um ás, devolver ao gozo à lucidez da loucura

E vencer a doença dos que acreditam que sempre estão com a razão

Foto: Karla Vidal

5 de novembro de 2016

Poema da Luz do Mar

Marluce



Mare Luce

Marluce conversa com a fé
Como o horizonte conversa com o farol
Quando ela ri, a realidade começa a sonhar
Quando ela fala, eu tenho em quem acreditar

Na luz do mar, Marluce
Na luz do seu céu,
A luz da lua não é devedora da luz solar

Se rio ou choro com Marluce,
A luz não se envergonha de viver no meu olhar


2 de novembro de 2016

Campos, Zílber, luzes e a assombrosa fotogenia dos gatos


Foto: Karla Campos



Tem dias em que nos sentimos despolitizados,
Desjornalizados, desfilosofados, deswoodyallenizados
Dedetizados...
Mas, a capacidade de se amizadezar ameniza o peso do prefixo “des”

Ando também sem muita habilidade para me colocar à altura do horizonte
De expectativas dos outros
Mesmo assim, quero plantar um pouco de sol-da-meia-noite nessas palavras
E celebrar uma história de amor

O destino não ficou esperando plantado à porta da coincidência
Foi convidado a cair de paraquedas na falta de chão, chá e oxigênio
O mistério de Campos encontrou abrigo no paradoxo de Zílber
E, diante daquele cenário de pétalas eletrostáticas,
Muitos verdadeiros amores acenaram para os convidados da festa do Chegarei em breve

O sexo descapitalizou o medo e esvaziou a conta da opinião alheia
Emprestando dádiva e calor a tudo que não tem preço
Diante do lume náufrago na alegria dos olhares delas,
O Brasil não tinha o que temer
O mundo estava livre da armadilha de Trump
A reciprocidade sentou-se entre mim e quem amo na sala de cinema

O dia de hoje provou por C + Z que o milagre não precisa nadar no azul dos olhos
De um super-herói
O milagre pode aprender a brilhar no rastro dos percalços
Assim como o fantástico grita em alto e bom som
Nos sulcos de um LP onde presente, passado e futuro se misturam
Sem dar satisfação às boas intenções de enrustido, tirano ou hipócrita nenhum

Vida longa à história de amor de duas lindas mulheres

Donas de gatos alforriados que fazem a câmera sorrir com sua assombrosa fotogenia.

20 de outubro de 2016

Um jeito cá novo de desejar Feliz Aniversário

Foto: Karla Vidal

Conheci um amigo de infância depois dos 30 anos,

Amigo daqueles que dá vontade de ter ao lado pra beber até ficar sóbrio

Ficou faltando o Feliz Aniversário dele pra iluminar as bênçãos que ele me inspirou a escrever na rocha

A luz das velas acendeu pela metade


Se o seu caminho sem volta precisar de um lugar para descansar,

Pode contar com meu abraço

Daqui a algum tempo, meu amigo, o teu Eu te amo vai corrigir os excessos do meu

E o meu Eu te amo vai acrescentar coragem e ousadia ao teu

Nas linhas da tua mão, nossos nomes estão gravados lado a lado.


Quando o teu nunca mais quiser parar pra tomar alguma coisa e botar a conversa em dia

Basta marcar com o meu  Sempre se Pode Recomeçar



18 de outubro de 2016

Um 19 de outubro sem impossíveis

Fonte da foto: Programa Salvando Árvores


De madrugada, a tempestade acordou chamando por mim

Doidinha pra me avisar que o destino e o acaso tinham feito um acordo de cavalheiros e deixaram que, neste dia 19 de outubro, todos os meus impossíveis entrassem em recesso e meus sonhos lessem no coração de São Tomé a senha automática de acesso à realidade

Desejei, de imediato, que durante 24h nascêssemos feitos um para o outro. Mas, esquecido que sou, ou, simplesmente, desacostumado a exercer a presunção, esqueci de desejar que não houvesse distância entre nós. Acabei gastando uma hora e meia do milagre pegando dois ônibus pra te encontrar

Mas, valeu a pena. No trajeto, comecei a olhar a linha do tempo do teu Facebook e pedi que a mudez das fotos fosse curada e que os detalhes desabafassem comigo o que sentiam

Numa das fotos, tua barba por fazer entregou que teu olhar tentava esconder a tristeza de não ter sido tirado pra dançar durante o baile de formatura

Mas ouvi risos que rimavam com o nascer do sol e com uma alameda onde se escondia tua coragem secreta de dizer Eu te amo

Fiquei crescente de felicidade  ao te ver com amigos, celebrando a vida. Pedi que tua imagem, numa das fotos, virasse de costas, só pra ver a liberdade raiando da porta dos fundos do teu coração

Mas, me vi submerso de tristeza, ao pensar que, provavelmente, não havia lugar pra mim na sinfonia de emoções que me acenava daquela linha do tempo

Enquanto arquitetava o exílio dos meus impossíveis, percebi que o atalho para tornar sonhos realidade era escravizar o direito à liberdade do outro. E como roubar de mim mesmo o que mais de ti me encantou?  

Você dançando com teus talvezes e inseguranças e aproveitando, enquanto teu medo da opinião alheia olhava para trás, para ficar me paquerando

Fui forçado a desapontar o milagre que me fora concedido. Disse até breve para o réveillon que havia antecipado para 19 de outubro e no qual uma leve discussão deixava o palco para que, meia-noite em ponto, nosso primeiro beijo entrasse em cena

O sonho mais difícil de rebobinar foi um em que o mundo libertava o amor de suas correntes. Mesmo de trás pra frente, aquela cena era inesquecível. Ninguém tinha receio, raiva, pena ou nojo de ver o sol poente escorrendo por entre as brechas de nossas mãos dadas

Alforriado, o milagre que me tinha sido dado de presente sorriu com os olhos e chorou com o sorriso

- Posso pedir que um último sonho se torne realidade?
- ... , respondeu o milagre.
- Quero não desistir de ter coragem de me reencontrar com ele

O milagre me explicou que não poderia atender meu desejo. Ele só era capaz de fazer sonhos se tornarem realidade. E o que eu queria era tornar a realidade um sonho

Antes de eu bater à porta, você perguntou: “Quem é?”

Confundi meu nome com um Eu te amo e tive de aguentar a realidade assando no rubor do meu corpo que, àquela altura, era só bochecha.

Mesmo assim, a campainha tocou, perguntando: “É errado sonhar?”

A porta se abriu e você perguntou: “Posso entrar?”


13 de outubro de 2016

Nossa Senhora do livre amor

Nossa Senhora da Uva
Fonte da imagem: História de Nossa Senhora


Nossa Senhora, pela tua intercessão,
Que não haja espírito, feitiço ou poder capaz de obrigar uma pessoa a amar
Ou a deixar de amar

Visita a liberdade de quem amo
Liberdade de convencer a insônia a tirar um cochilo
E o corpo solitário a dividir a cama com um amante
E acordar ao lado de um amigo

Desterra a vergonha e a opinião alheia dos nossos beijos
E que os abraços, sorrisos e silêncios sejam versões
Do vinho novo, que se bebe junto a quem se ama
E não na companhia do preconceito comentado

Virgem, que o amor seja livre para dar satisfação aos que se amam
E não aos que chegam ao clímax fazendo nexo com a frustração alheia
E serrando com as montanhas de recalque que cultivam em seu irrelevo 

Mãe, o vinho foi o segundo milagre de Cristo:
Porque o primeiro milagre foi tua preocupação com a felicidade humana




12 de outubro de 2016

Por que Renato Russo chamou Maria de Nossa Senhora dos Pedestres?


Arte e criação: Harry Firmo


Nossa Senhora tem milhares de denominações pelo mundo inteiro, dentre as quais o título Nossa Senhora Aparecida.  O compositor Renato Russo quis acrescentar mais um nome a este rol: Nossa Senhora do Cerrado: Protetora dos Pedestres, personagem que, junto a uma das amigas de Russo, a poetisa Noélia Ribeiro, contracenam na música Travessia do Eixão.

A proteção de Nossa Senhora dos Pedestres se faz realmente necessária para quem atravessa o Eixão, apelido do Eixo Rodoviário de Brasília (DF-002), uma das linhas que dá a forma básica ao Plano-piloto de Brasília (cidade em formato de avião), traçada de norte a sul da capital do Brasil e formada por seis faixas de veículos.

Segundo estatísticas do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), publicadas no Jornal de Brasília, em 2011 foram registrados 16 atropelamentos de pedestres na via, sendo um deles fatal. No ano seguinte, 30, sendo três deles com morte.  Em 2013, foram somente nove atropelamentos, porém todos fatais.

Na Região Metropolitana de Recife, também é preciso rogar pela proteção de Nossa Senhora dos Pedestres tanto nas vias urbanas quanto nas rodovias. Exemplos clássicos são a Agamenon Magalhães (Recife) no final do viaduto Capitão Temudo, altura do Hospital Português. Ali, atravessar é comparável a girar uma roleta russa.

Nem a morte de um juiz sensibilizou o Poder Público para construir uma passarela no local. Falo isso porque, no Brasil, a tragédia só deixa de ser ignorada quando envolve alguém que tenha dinheiro ou títulos em seu Curriculum vitae.

A BR-101 e a PE-15 também possuem pontos onde o pedestre é obrigado a disputar com os veículos o direito a chegar a seu destino. E, por descaso e desatino do Governo, ainda não se construíram passarelas, optando-se por arcar com os elevados custos hospitalares a resolver de vez o problema.

A postura equivocada do Estado ganha realce quando se analisa o sucesso de passarelas como a que foi erguida na Avenida Herculano Bandeira, perto da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, pouco antes da Avenida Domingos Ferreira.

A música Travessia do Eixão faz parte do álbum Uma outra estação, último disco de estúdio do Legião Urbana, lançado em 1997, nove meses depois da morte de Renato Russo.



Utilizando a poesia para memorizar técnicas de Aikidô



Arte: Rute Patriarca




Alerta: Qualquer semelhança com acontecimentos reais é quase mera coincidência.


Lembro que quando estava pra fazer o primeiro exame de graduação do Aikido, minha dificuldade de decorar os nomes das técnicas fazia o Japonês parecer Grego

Então eu, cá com minha eterna faixa branca, pensei: vou utilizar a região criança-poeta (e, por que não louco-apaixonada?) do meu cérebro e, por meio de imagens poéticas, tentar facilitar a memorização das técnicas

Antes de mais nada, um prefácio:


  • Técnicas que têm por sobrenome “nagê” envolvem a projeção da pessoa sobre a qual a técnica é aplicada
  • Daí, por eliminação, as outras técnicas vão envolver a imobilização de quem recebe o kata (técnica)


Irimi Tenkan

É, poeticamente, conhecida como técnica da bandeja. O nagê (quem aplica a técnica) desliza rumo às costas do ukê (quem recebe a técnica) e, girando o quadril, desliza-se a perna para trás como se ela fosse um compasso que, girando, faz metade do mundo, isto é, um hemisfério. Ao fim, o nagê estará em posição espelhada com o ukê, sempre lembrando de manter os braços estendidos (dobrar ou tensionar os braços represa a energia do movimento),  oferecendo, de bandeja, o amor que se traz dentro de si.

Irimi nagê

O Irimi nagê, pode ser, poeticamente, associado com o verbo Dormir: “Dormir nagê”

Por meio desse kata, deslizo rumo às costas do ukê a fim de catar a cabeça dele e fazê-la dormir no meu ombro, enquanto giro como um compasso (o mesmo compasso que ajuda a desenhar o Irimi Tenkan), completando o poético desequilíbrio.

Depois, antes que o ukê tenha tempo de perguntar o que tá havendo, suspendo o queixo dele apoiando-o na dobra interna que separa meu braço do antebraço  e o levo ao chão. A música de fundo para esta técnica é o clássico sertanejo: “Encosta tua cabecinha no meu ombro e chora”.

Shiho-nagê

Eu, particularmente, elegi como imagem, para decorar o Shiho-nagê, a de um jogador de Baseball segurando o taco, preparado para receber o lançamento da bola.

Fazendo as devidas adaptações poéticas, o braço do ukê funciona como o taco. Depois de “rebater” a bola imaginária (a esfera de energia resultante da sinergia entre ukê e nagê), aponto o taco (braço) para o meu pé, deixando-o descansar: final da técnica.

Shomen uchi Ikkyo e Nikyo 

Pelo nome, percebe-se que não são técnicas de projeção. Pertencem ao grupo das técnicas de imobilização. Quem aplica o kata acompanha a pessoa que recebe a técnica do início ao final, onde acontece a imobilização

A poesia mais rudimentar me diz que “Shomen” é algo similar a “Tome!”, imperativo utilizado por quem se prepara para partir o outro ao meio com uma espada ou rachar o cocuruto do outro com uma tora de madeira, por exemplo

No caso da imobilização Nikyo, a versão urá (desenvolvida com um giro dado por trás do ukê) requer que o nagê abrace o punho do ukê contra seu peito, cumprimentando-o. Em seguida, finaliza-se a técnica com um Irimi Tenkan.

Katate dori Kaiten-nagê

É a técnica de projeção em que o nagê transforma o braço do uke num arco (tipo o Arco do Triunfo, na França), passa por baixo, fica em paralelo com o ukê e depois o projeta como quem arremessa uma bola de boliche, mantendo-o sempre juntinho ao corpo

A aplicação da técnica começa com um atemi, movimento que Wesley Safadão traduziu para o Português como “Olha aqui pra minha mão!”.

Na hora que o avaliador do exame solicita a técnica, penso logo no atemi, como se, na minha mente, enquanto aplico o atemi, eu dissesse ao uke: Cai!


Katate dori Kokyu-nagê

O nagê faz um Irimi Tenkan, colocando-se em paralelo com o ukê e, aí, projeta-o para frente com um giro de quadril. Dá pra diferenciar do Kaiten-nagê pelo fato de a técnica não requisitar o atemi (o imperativo mental: Cai!)

Katate dori Kokyu Ho

O princípio é o mesmo do Irimi Tenkan. Não é propriamente uma técnica de projeção. Também não é uma técnica de imobilização. Parece ser uma exceção, pois é finalizada com um movimento que imita o gesto de, com uma espada, dividir o tronco do ukê em duas bandas. Ao final, o nagê estará posicionado com as mãos estendidas, como quem oferece algo ao ukê numa bandeja.


10 de outubro de 2016

Dicas de um uke para um nage

Aikido Journal


Não existe texto definitivo
E não há porque se envergonhar dos rascunhos
Eles são o adubo do jardim da palavra

Não existe luta perfeita
A vitória é importante,se
Sabe que é o calçado,
Mas não o caminhante

Vai dar tudo certo
Respire e não hesite
Se houver algum erro,
Utilize-o como adubo de uma nova tentativa

Olhe rapidamente a dupla ao lado se a dúvida bater
E, em seguida, faça a sua parte e entregue seu coração por inteiro

Se não se lembrar do Japonês, diga Perdão e Obrigado e volte a lutar

Como queria ter participado
Da preparação para este sonho
Que logo será realidade

Este é só mais um de muitos inícios
Que a vida te prepara
Não se deixe embaraçar pelo olhar dos outros
Menos ainda pelo meu que é um dos apelidos da palavra amor
Quando preciso fingir que não estou te olhando
Te olho até cansar
Pela brecha da poesia

Não precisa se comparar
a ninguém
Porque o tempo de cada
Flor é único
Assim como o Aikido de cada pessoa
É único

Quando você tiver superado
Este desafio,
Todas as dificuldades farão sentido
Anjo desengonçado,
Conte comigo

Quem te vê de fora, nota que
Cada tentativa tua
Ajuda a lapidar uma estrela
Hóspede de uma joia rara

Lembra quando você aprendeu a cair?
Foi o mesmo momento em que apredi
Um jeito novo de me reerguer

7 de outubro de 2016

Transversos para "Mar cheia de graça"



Foto: Erika Lemay

Acho que não preciso pedir licença para escrever na linha do tempo de Mariana e acredito que ela vai curtir porque é uma típica libriana - elegante sem ser fresca. Todo amigo tem algo que irrita o outro e mais cedo ou mais tarde esse algo vem à tona.

Ela e eu sabemos o algo dela que me irrita. E espero que ela viva mais que Gandalf para ter tempo de me contar vários algos meus que a irritam. Como bom libriano com ascendente em gêmeos sou meloso, gosto de declarar o que sinto, mas fico rapidamente entediado e com vontade de me hospedar no cárcere privado de mim mesmo. Mas, a vida tem dessas coisas.

Nem sempre poderei estar onde e quando ela desejar, mas quando a coisa apertar pode contar comigo porque mais do que estar com quem gosto na farra estou quando "inverga" a barra. Goste ou não o namorado dela, vou dizer que ela é linda e intensa e se entrega, nunca desistindo de confiar que a confiança é possível ( e de fato é, pois é uma chama tênue e bruxuleante, mas capaz de exaurir o esforço dos ventos de moinho). Ela é muito do que já fui e ainda sou.

Em hebraico, Ana significa "cheia de graça" e no nome dela cheia de graça é o Mar: Mar cheia de graça: praticamente um mar travesti... Sei que ela não vai se importar com esta brincadeira porque ela é uma porta onde o preconceito e o machismo foram bater e tiveram que, em seguida, bater em retirada.

Mariana não tem medo de jantar com os fantasmas e, por isso tem muito a ensinar ao futuro. Também não discrimina a tristeza e, por isso, é um mar profundo. Mariana, ainda tem muita ponte pra passar por cima deste rio. Que bom vê-la amadurecendo e cada vez mais independente dos botes salva-vidas. Os momentos felizes sejam o disfarce predileto de cada novo dia. E que as ondas do teu Mar possam ser felizes dançando flamenco, treinando para ser nefelibatas.


A minha amiga Mariana Silveira




5 de outubro de 2016

Um poema a Clécio


Foto: Cláudio Eufrausino

Colômbia

Clécio, se minha falta de coragem tivesse mãos
tingiria de porta todas as invisibilidades
Só pra ter oportunidade de abri-las e ser gentil contigo
Gentil em sol maior

Amor, quando nossas coincidências
se cruzarem, se olharem nos olhos
Não sentirei mais vergonha de não ter vergonha de você
As rosas vão querer ser presente mesmo depois que o futuro deixar de existir

Não precisarei mais fingir que meu gostar de você é uma ilusão da tua cabeça
Nem andarei separado de ti como se sua proximidade fosse o cenário de um crime

Não te desabraçarei até você acreditar que só é digno de um protocolar aperto de mão
Te abraçarei eternamente por um minuto até que você se sinta à vontade para existir sem dó

Meu não responder a tuas mensagens e calar quando vens em minha direção
Não serão um escudo que protege meu nojo dos teus poros

Você não precisa ter medo de chegar perto de mim
Porque só tua mão pra deixar minha nudez à vontade

Estar contigo não é pretexto para furar a fila do DETRAN
Até porque quando estou com você o trânsito mais parado flui como um oceano alado

Você é convidado de honra para a festa dos meus segredos
Para deixar tuas pegadas nos meus passos de dança
Para fotossintetizar os jardins que planto dentro e fora de mim

Clécio, seu nome se escreve lindo
E se pronuncia amor

Onde quer que estejas
O nojo perderá o poder de se chamar hoje
E o acordo vencerá o não
Porque todo ser humano merece ver a Colômbia de sua alma em paz

29 de setembro de 2016

Poema ao Homem de ferro

Homem de ferro de cera
Foto: Cláudio Eufrausino


Na antevéspera de um momento de luta decisivo,
Você continua faltando
E o pior é que um comboio de idiotas que vieram hoje
Ficam achando que meu olhar é pra eles
Que minha minha melhor chatice é pra eles
E, pior ainda, que as insinuações de minha poesia são pra eles
Mas, você sabe que você é o você a quem o eu da minha poesia se dirige
Você não esteve presente hoje
Mas o presente esteve você o tempo todo

A falta não é ausência
É o retorno que não cumpriu sua promessa de comparecer
Até tua falta faz falta
Só você conhece o código secreto das infrações que cometo

E está liberado para se permitir me dar beijos com sabor de bolo Souza Leão

Mesmo não estando nem aqui
Você me salvaria, se fosse impreciso?
Me liberaria do guincho, se tentassem me remover
do teu coração movido a bateria?

Não sou de ferro, por isso minha inspiração não consegue resistir ao teu sorriso
E deságua poesia
Sincera a ponto de fazer outros acharem que meu rio corre para eles
Mas, não faz mal: achar não é pecado,
Porque minha poesia não é para um você qualquer
É para um você você

Devo ter cuidado porque a reincidência nesta infração
Pode casçar meu direito de ser poeta
Seria uma pena...

21 de setembro de 2016

Teoria do mal-entendido


Vovô quando era jovem porque lindo ele sempre foi


No poema anterior, afirmei que uma determinada pessoa era linda como meu avô

Recebi mensagens dizendo que minha cantada tinha saído desafinada
"Quando se fala em avô, logo se pensa numa figura encurvada, enrugada e cansada de guerra"

Na verdade o eu-lírico pensou no meu avô jovem. E ele era lindo e continuou lindo até os 80 anos quando partiu

Mas, o importante na poesia não é o fato em si, mas a comparação. Ao comparar você com meu avô, uma memória tão viva e cara para mim, quis falar do que há de mais puro, do núcleo da chama, onde o respeito tem poder de derreter qualquer muralha de gelo

Jamais te desrespeitaria. Muito menos na poesia, onde o perigo de não amar inexiste. Nem chamaria uma de minhas memória mais queridas para jantar na mesa do sarcasmo

Este desabafo é um prefácio para a teoria do mal-entendido

O mal-entendido surge quando há um desencontro entre as memórias de duas ou mais pessoas ou o choque entre uma memória e um preconceito.

Se uma conversa ou um texto traduz uma memória e o leitor filtra a tradução com uma memória sintonizada numa estação oposta, ocorre o mal-entendido

Por isso, não raro um texto escrito na língua do bom sentimento é filtrado por medos, dúvidas e inseguranças, gerando mal-entendidos

Você é lindo, meu avô era lindo e agora você sabe que dizer que você é lindo é uma maneira de ter a chance de falar da minha afeição por todas as lindas pessoas que deixam suas pegadas no meu caminhar

Na poesia, as palavras são como um Big Bang ao contrário. A palavra amor, por exemplo, sai remando contra a maré do cosmos, juntando fagulhas de estrelas de diferentes constelações. Esse quadro cubista, composto de fagulhas díspares é que se chama metáfora: fagulhas que, um dia, quem sabe, chegarão na hora certa ao encontro marcado com a origem do universo.

Assim, o amor que aparece num poema escrito por mim terá fagulhas de diferentes coisas, situações e pessoas que amo, sem necessariamente se referir a nenhuma delas em particular

Mas, concluindo, quero que chegue a ti este ramalhete de versos, com meu amor cheio de vestígios de constelações: sempre com respeito e sem sarcasmo porque na palavra sarcasmo só cabe o Eu asmo e jamais o Eu amo.


20 de setembro de 2016

Poesia mnemônica

Fonte da foto: Diário da Região

Pendurei minha leveza nesses versos
Quando ouço algum insulto, meu pensamento começa a rascunhar poesia pra ti
E a ofensa foge assustada diante dessa luz
Teu rosto belo, como o do meu avô, tem adubado uma flor que renasce
No mínimo três vezes por semana

Perceber que te importas comigo é um suspiro que o vento imita
Para virar as páginas ruins e me ajudar a reescrever minha história
É contigo que treino minha melhor arte de luta
E te ver ensinando doçura aos outros me enche de orgulho
Tu não memorizaste ainda os nomes técnicos,
Mas talvez poucos conheçam melhor os sobrenomes delas: paciência, generosidade,
Honradez

O convite para conheceres meu novo eu continua de pé
Podemos nos encontrar ao som de um bom vinho
Acho que os nomes dos golpes ficam melhor de ser memorizados
Quando sussurrados ao pé do ouvido: o que achas?


19 de setembro de 2016

Pra que o silêncio não seja resposta


Foto: Karla Vidal

O silêncio não é resposta
Na Grécia, o coral assistia em silêncio ao desenrolar do espetáculo,
Preparando-se para assumir uma posição diante dos acontecimentos
O silêncio não é indiferente nem mesmo à farsa, quem dirá à tragédia ou à comédia

Na música, o silêncio também não é resposta
É pausa dramática
No cinema, é a costura do suspense
E na leitura, a massagem do pensamento
Mas, o silêncio nunca é mensagem

Não fique em silêncio diante do que escrevo pra ti
Porque te amo
Além disso, o silêncio destoa da tua gentileza
E não acompanha o compasso do teu coração generoso

E se tua resposta precisar me desgostar
Que o desgosto seja o ensaio de uma forma disfarçada de usares o verbo gostar
No futuro (imediato)

Se o silêncio é sintoma de tua timidez
Quando elogio tua beleza
Prometo te elogiar baixinho
Pra evitar o risco de avalanche

Se o teu silêncio é revanche contra o meu
Saiba que fico em silêncio ou pra te poupar da minha intensidade
Ou de susto ao te ver sendo projetado sobre superfícies de prata refletoras
Só até lembrar como xingar quem te arremessou
E você também, por ser irresponsável
Silencio também quando fico com ciúme ao ouvir falar que tua atenção é dedicada a outra
Sem que sobre ao menos 69% pra mim
Mas, entenda: ser indiferente a ti não é possível
Porque não posso, não quero e não sei

Permita-me ser capaz de amar em silêncio
De conversar contigo daqui dessas paragens
Até que esse sol esfrie dentro de mim
Ou até o chamares para fazer parte de tua galáxia
Mas, por gentileza, não me responda com silêncios
A menos que o silêncio seja a evolução do inexprimível
Estacionado em fila tripla ao lado de nossos corpos envolvidos

Não bebo, mas estou disposto a beber contigo
Uma dose de desculpa para ficar te olhando adormecer,
Enquanto requinto o sol dentro de mim







16 de setembro de 2016

O desabafo do rio


Fonte da imagem: Gazeta Web


O rio não desiste de correr para o mar para ir atrás de quem quer que seja
Mas, podes pegar um busão e ir atrás dele,
Que, para te rever, é capaz de correr em câmera lenta

Quem sabe, dependendo da tua cantada, ele tope ir descansar no teu leito
E matar a sede nos teus lábios
Ele se ri quando o teu estar vivo aparece diante de seus olhos d’água
Mas, chora quando finges que ele importa menos que um deserto

O rio se encantou por tuas margens tímidas, pela tua sedutora reticência
E quer ensinar tua pele a ser paixão, a experimentar uma correnteza que
Em vez de afogar, prefere perder o fôlego no teu beijo

O rio quer ser o risco de ser amado em segredo por ti
Desde que esse segredo tenha brechas para ir ao cinema
Onde o rio é o filme, o leito a tela e o mar os corações que assistem

O rio sorriu ao te ver dormindo e acordando por uma janela indiscreta
Aberta pelo sonho na repressa da realidade

Tua mão faria a gentileza de se enrioscar com a minha?

Cuidado com os espelhos da vida, 
Mas dos espelhos d'água deste rio não é preciso ter medo
Porque o rio finge que é sério para que não transpareçam as entrelinhas
Que falam de admiração e da ternura

Qual a infração cometida por um rio que, para visitar um tímido navegante,
está disposto a fluir na contramão?




15 de setembro de 2016

Teoria da reciprocidade


Fonte da imagem: Jornal Psicologia em foco



O sol não pode responder meu Bom Dia
Mas compensa sua mudez nascendo todos os dias
A luz é sua metáfora
E a metáfora é uma estátua de beleza cujo oleiro é a reinvenção

Visto o melhor amor que achei no guarda-sol
E em reciprocidade ganho tua vontade de se proteger
Só não consigo entender porque espero que tu faças como o sol
E cries algum código secreto para responder aos meus carinhos
Feitos para que só você os perceba

Bato tua porta com versos
E espero que tu abras em reciprocidade teu coração
Deposito um Boa noite na conta do vento
E espero que tua resposta seja um Boa noite
Disfarçado de bater cardíaco que minha ouça roubará do teu peito
Numa noite em que teu abraço se convidará a conhecer meu jeito de dormir

Fico pensando se o vento na minha varanda é uma metáfora
Da tua chegada inesperada
Pronto para me ensinar tuas metáforas do cair, do se reerguer e do fazer amor...










13 de setembro de 2016

Um poema exigente

Foto: Karla Vidal


Até meu não ter escolha te escolheu
Não fique sério demais porque quando passo um rabo de olho
E te vejo sorrindo, entendo que mesmo não sendo como gostaria que fosse
Teu ser feliz é mais do que poderia desejar

Mas, vou ali e aqui conquistar a mim mesmo
E quem me quiser será preciso estar disposto
A dividir o maai com o eu conquistador-de-mim

Vou brincar de seguir em paz
E de esperar que tua formalidade encontre uma deixa para partir
Porque te ter fazendo parte do mundo com pureza e despretensão
É transformar cada vírgula num interruptor que acende a gravidez de uma estrela
Dando à luz o direito de se dar

Exijo que sejas feliz e livre
E que a vida te faça feliz
E que eu esteja por aqui
Quando for preciso


E impreciso

PS.: Queria citar Hernri Caffarel: "O amor sem exigência diminui. A exigência sem amor revolta. O amor exigente engrandece". 

Mas não importa que Caffarel esteja certo. O que importa é que és importante e nenhuma expectativa ou frustração é capaz de traduzir a importância que és.

8 de setembro de 2016

O estupro da intimidade


Pintura: Georges Malkine



Existe no coração de algumas várias pessoas o desejo de brutalizar o amor alheio
Incapazes de compreender o tempo e o espaço alheios, regozijam-se
Ao expor a intimidade alheia em praça pública
E, nessas bocas recheadas de calúnia dentada,
Os outros deixam de ser indivíduos e são metonímica e farsantemente
Reduzidos a genitálias ambulantes
“Fulano é um dador de cu, Fulana é uma boceta afolosada”
Ou então reduzidos a cansados clichês
“Ciclana é uma sapatona, ciclano é algum animal silvestre...”

O estupro da intimidade não é crime previsto no Código Penal: ainda...
Mas, quem é acostumado a praticá-lo não se deu conta de que já está preso
E jogou a chave fora
É uma pena seguir, indo de lá pra cá, desfilando sua prisão perpétua:
A incapacidade de respeitar a arquitetura do amor alheio
De Rir do que realmente é engraçado
Sem precisar tingir o outro com tons de hipérbole, mau-gosto e desespero
A fim de trazer surpresa à inércia e sabor ao tédio

Tantos idiotas ainda não perceberam
Que o verdadeiro enrustido é quem precisa lançar na cara da sociedade
Os suores, os humores, os sêmens, os gritos, os sussurros, as caretas, os prazeres e segredos
Brotados no jardim das alcovas
  
Não preciso citar Gilberto Freyre para prever que, em breve,
Chegará o tempo em que o recalque será descascado
E falar do amor dos outros voltará a ser deixa para a gentileza e a poesia
Os corpos, templos do Espírito, não terão sua nudez deturpada
Pela opinião desocupada de quem parece ter esquecido como é morar em si mesmo

O estupro da intimidade se tornará algo repudiável
Assim que for descoberto que a nudez sempre foi a mais linda veste

E aí, então, muitos beijos terão coragem de ser dados
Muitas mãos terão licença para se dar

Muitos segredos poderão tomar banho de sol na praia do sossego

7 de setembro de 2016

Um pretexto para falar de Marcuschi

Encarte de DVD pertencente à Coleção Luiz Antônio Marcuschi
Fonte: Blog da Pipa Comunicação


Não sei bem, mas acho que foi um teórico chamado Peter Sloterdjik que definiu a citação como um “encontro entre amigos que talvez jamais se conhecerão”.

Pois bem, não estreitei laços com Luiz Antônio Marcuschi, tendo falado com ele tão-somente uma ou duas vezes quando era calouro da Universidade Federal de Pernambuco: aliás, foi a primeira vez que vi um Apud em carne e osso. Mas, nos textos e nas citações, nossa amizade revela-se algo profundo.

Tive o desprazer de conviver com alguns acadêmicos que se utilizaram da “grife” Marcuschi para se autopromoverem. Afinal, ser discípulo de um pensador renomado como ele abre portas, coisa que para certa raça de incompetentes, incapazes sequer do esforço de girar uma maçaneta, é indispensável.

E, enquanto o pensador convalescia, após um acidente vascular, seu nome continuava vagando em trabalhos acadêmicos, muitos deles herdeiros de uma época em que Autoridade era sinônimo de argumento, lá no distante Feudalismo, tão vivo ainda na inconclusa síntese dialética que caracteriza a história brasileira.  Será que Marcuschi acharia razão para Temer diante da onda dialética atual, que beija as margens da democracia e lambe a orla da ditadura?

Marcuschi, homem de luzes, discípulo de Copérnico e de Galileu (numa versão mais destemida), desafiou o monopólio inerte da Morfologia e da Sintaxe, introduzindo nas veias da Linguística o vírus do dinamismo interdisciplinar. Convidou para celebrar a vida da linguagem autores como Althusser, Bakhtin, Pêcheux, Chomsky, detre outros: sempre contando com o apoio de amigos como Ingedore Koch.

Só sei que minha visão sobre a língua e a comunicação transformou-se por completo em contato com as ideias de Marcuschi, para quem a Internet e as tecnologias eram algo além de artefatos: eram gêneros linguísticos e, por sua vez, os gêneros eram mais do que categorias classificadoras: eram o vital questionamento das classificações ou o tenso diálogo entre classificação e contradição, tão característico da vida.

Como não associar esta linha de pensamento com o atual momento cravado de diálogos sociais que expõem a tensão entre as classificações e o questionamento de estereótipos e hierarquias, particularmente no que diz respeito a temas-tabu como sexualidade e gênero (fronteiras entre masculinidade e feminilidade).

Presenciando o viço do pensamento de Marcuschi não consigo deixar de me assustar ao ver jovens com menos de 30 anos partidários de classificações sociais toscas, que buscam, desesperadamente evitar a inevitável derrocada de crenças irrefletidas como a de que uma pessoa pode ser definida pela idade com que se casou, a cor da roupa que veste ou a música que ouve.

Que possamos nos encontrar nas citações da estrada, citações à moda de Walter Benjamin: capazes de arrancar a origem do pobre e mesquinho começo e transformá-la em erupção, desestabilizando a linha do tempo em seus diferentes pontos, as certezas fúnebres, que os argumentos de autoridade costumam transportar em seu féretro.

Não posso desejar que Marcuschi descanse em paz porque acho que o que ele menos gostava de fazer era descansar e sua paz, a julgar por suas reflexões, era o que Padre Zezinho denomina Paz Inquieta.

Por isso, desejo que o desejo continue a te guiar e surpreender nas paragens aí onde os pretextos perdem a razão de ser.

Dedico este texto (pretexto?) a uma pessoa de sobrenome Tell, cuja companhia no caminho de volta é um tesouro que quero voltar a ter.

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