15 de dezembro de 2015

Quando Gregório Duvivier cogitou reativar sua conta no Face: quando percebi em mim sintomas do Fascismo


Cena do filme "Desculpe o Transtorno". Fonte: Folha de São Paulo


Calma, não achem que vou confessar ter sido cúmplice de atentados terroristas ou ataques a pessoas indefesas.

Estamos meio que acostumados a confundir o gesto de assumir a presença do mal em nós com assumirmos que somos o próprio Mal.

Como lembra Walter Benjamin, existem em nós, ao mesmo tempo, uma porta que se abre à redenção e uma porta que se abre ao totalitarismo (e, certamente talvez, a porta da redenção é mais estreita). O pensador alemão alerta (qualquer semelhança com o que Benjamin disse é mera coincidência): “Não ignoremos os gestos do outro, pois um gesto pode ser a porta que se abre para a chegada do Messias [representação alegórica da redenção].”.

Mas, voltemos aos sintomas do Fascismo, nos quais comecei a pensar depois de assistir a um vídeo de uma palestra da filósofa Marcia Tiburi sobre o Fascismo e o vazio do pensamento, do sentimento e da ação na contemporaneidade.

E cheguei a pedir perdão à Virgem por detectar tantas fagulhas de Fascismo em mim. Posto que, tantas vezes, sinto o desejo de cortar de vez o canal de comunicação. Mania de antecipar o que os outros vão dizer e mesmo pensar (se bem que isso, por vezes, é culpa de uma clarividência hereditária que me espicaça).

E cortar a chance de diálogo não tem tanto a ver com o medo da contrariedade ou da surpresa. Tem mais a ver com o receio de não saber o que fazer quando o outro descobre que descobrimos que o controle não nos pertence.

Sinto também vontade de calar como quem tenta fazer do isolamento um protesto antecipado contra uma tentativa de adiar um suposto inevitável: refiro-me ao abandono. É a falta de coragem de lidar com a dor de não ser querido em datas especiais como aniversários, natais, carnavais, sãos joãos, reuniões de acionistas, eleições, velórios... de cair da primeira divisão dos afetos amigos e também dos eróticos.

O receio de só ser querido no tempo do outro meio que me aflige muito, ou, talvez, aflija uma das ilhas da constelação fascista que emerge em mim. Meu amigo Igor estava certo quando me chamou atenção, numa madrugada bêbada às margens da Avenida Rui Barbosa (Recife-PE-Brasil-América do Sul-Terra), para o ditador que eu era capaz de ser. Mas, certamente, no céu do meu ser, as portas do Fascismo não hão de prevalecer sobre as estrelas. Que o Amém diga Anjos!

Outra característica que Tiburi descreve como peculiar ao fascista é não suportar que o outro se divirta e que sua sexualidade o faça ter momentos felizes. O fascista se deliciaria, nessa perspectiva, com o recalque, repressão dos afetos e da sexualidade. Isso porque amor livre implica descontrole, um tipo de anátema aos olhos do totalitarista.

Nisso pude respirar aliviado, sem ajuda de Vick Vaporub, pois a alegria alheia em nada (quase) me perturba. Ocorre que tenho tido medo de ser toda a alegria que posso, toda a ternura que minha potência Jedi é capaz de ser. Como se sorrindo ou abraçando ou dizendo da saudade que sinto ou visitando os outros inesperadamente, eu pudesse ser enquadrado em algum grupo de exclusão, tornando-me vítima dos holocaustos simbólicos que permeiam nossa cultura.

É bem difícil estar inserido em qualquer grupo como um divergente, um híbrido: sentindo-se alvo de olhares que te enxergam ora como digno de pertencer à turma, ora como digno de pertencer ao degredo. Como se os olhares contemporâneos buscassem abrir no outro, ao mesmo tempo, portas de inclusão e de exclusão. E, certamente talvez, a polinésia fascista de minh’alma muitas vezes teme sorrir e prefira pagar o preço ilusório da inclusão reprimida em vez de assumir o risco de dançar a alegre festa dos que assumem sua parcela de marginalidade.

Gregório Duvivier, em um texto recente, expôs as portas de fascismo abertas pelo Facebook. Mas, não esqueçamos as portas de redenção que também são abertas pelas bandas de lá: os reencontros que, fisicamente, seriam inviáveis; os lances de ternura explícita, de infantilidade reoxigenadora, de empréstimo gratuito de experiências e de curadoria recíproca extra-oficial (não só de imagens como de música e poesia). O Facebook, parece-me, também está cheio de gestos que funcionam como portas abertas à emancipação humana. É que as portas podem ser virtuais, mas o abrir e o fechar sempre são de carne e espírito.

No mais, fico feliz de ser capaz de seguir uma importante recomendação de Márcia Tiburi como antídoto ao Fascismo: beijar pessoas do mesmo sexo: não só na face e fora do Face!.



A Igor Bandim, Renata Vieira e Márcia Tiburi e Gregório Duvivier.




Leia aqui a crônica "Adeus, Facebook" de Gregório Duvivier (é preciso ser assinante da Folha, caso contrário, tente ler de alguém que postou o texto-pirata na timeline).







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