25 de novembro de 2015

Navegar é preciso! Apaixonar-se é preciso?: a viagem de circunavegação de Fernando de França



Jardim Botânico de Recife
Foto: Cláudio Eufrausino


Viagem de Circunavegação pelo Jardim Botânico


Tortura agridoce esse Gostar que me visitou
Enquanto o Jardim Botânico estava descansando em mim
Me digam se não é fácil se apaixonar por alguém que se encontra
Numa trilha interditada a visitação!

A ternura não rima com loucura à toa
Ser terno é ser louco nos dias de sempre, traje ultrajante para o baile dos terráqueos
Ninguém é terno porque quer
O alfaiate do universo, que costuma nos pregar peças, é que nos escolhe para remendar
os desertos da existência.

Fique na sua, disse-me uma abelha africana intrusa na Mata Atlântica do Jardim Botânico de Recife
E comecei a entender que a paixão pode ser um erro
Pois, na hora de fugir, teus amigos, teus amores, teus compatriotas
Temendo tua paixão e tua ternura
Lançarão sobre ti um bloqueio mais continental que o napoleônico
Te deixarão em Portugal

Como ele era lindo
Seu sobrenome era De França
Os dois sóis, o do Jardim Botânico e o da Cidade Luz, quase entraram em curto quando ele passou diante do meu olhar
E o jardim refez todas as suas trilhas
E mandou um zap para o oceano,
Recomendando que ele refizesse, em solidariedade,
Todos os seus horizontes

Devo dizer que aquele Fernando de França, inspirado talvez pelo de Magalhães, circunavegou meu eu desprotegido
Ternura à vista, sussurrou ele com seus dois remos esquerdos!
E faltou pouco para este eu acreditar que desta vez seria colonizado

Mas, a minha poesia inútil
Só tem forças para me apaixonar
E como uma cientista cruel,
Depois prova por A +ou- B
Que sou um tolo, porque quis ir para o Brasil
Com meu amor, mas
Ele não me quis apaixonado
Tinha medo que o navio afundasse
Nisso, Maria, a Louca, levou vantagem,
Porque todos queriam que ela embarcasse
Mas, ela e sua paixão resolveram ficar em Lis não tão boa...

23 de novembro de 2015

Poema da Proposta Indecente

Jardim Botânico de Recife
Foto: Cláudio Eufrausino


Proposta indecente
Por John  Sedasphord

Medo quando tua proposta demora muito tempo a bater na porta
Da minha existência morna

Medo de que eu morra antes de chegar o momento em que possa esquentar meu ouvido externo
No teu colo

Meu ouvido interno no teu sussurro

Antes que possas acampar à minha porta dos fundos

Tenho coragem de descansar meu beijo nos teus lábios
E acreditar que não sou digno de nojo, enquanto tua sinfonia
Não me deixa esquecer que meu corpo espera ansioso que possas nele te acidentar

Não se afaste, pois me excita te ver suportando tão destemidamente
Meu orgulho e minhas cicatrizes coadjuvantes

Me parece que todo neurótico que se preza guarda na manga
Pelo menos uma proposta indecente

A minha é a de que me ajudes a acreditar que não sou
Indigno de ser

Percorra
As minas orgásticas plantadas na linha do meu destino
Que eu possa dormir meu cangote na tua carícia
E hibernar meu rosto no teu peito

Minha proposta indecente é que lembres de mim daqui a um ano
E não esqueças de mim nas próximas 24h

A indecência chove de meus poros ciosos pela tensão superficial de teu quase toque
Ela propôs rasgar a tradução juramentada do ouro em diamante
Só para ter o prazer de te amar gratuitamente
Sob o risco de tuas intempéries

É uma indecência que não consegue esconder o quanto te acha incrível

19 de novembro de 2015

Nossa Senhora da Lama, rogai por nós, d'accord?

Fonte: Youtube


Nossa Senhora da Lama,
Apareces em tantas pátrias
Abençoa-nos os párias, pois a indiferença nunca será páreo a ti
Tu que és linda, negra, loira, japonesa, holandesa, francesa, mineira, África, etc e também taribenha

Nossa Senhora dos amores que um dia foram desiludidos e hoje são ex nunc
O fato de seres Aparecida não te impede de seres de Lourdes
E consegues brotar tanto na primavera árabe como no inverno francês
Porque a sombra de Deus te reveste
E, por isso, tua luz é poliglota

Rio doce, quanto da tua lama são lágrimas da França?
Porque o Espírito Santo ouve a dor em todas as línguas ao mesmo tempo
E para a dor não existe campeonato: oráculo do Senhor.

Mãe Aparecida, onde chegas o sol brilha para curar
Desmentindo a onipotência das bombas nucleares
Aparece de um jeito que possa desmentir também os homens-bomba
E os bombados que se acham donos dos Vales e dos destinos
E que, já velhos, desdentados e com a boca abarrotada de dentes de ouro, brincam impunemente de Boca de Forno: “Seu Rei mandou vocês fugirem!”

Espírito Santo, tu que és a inocência do Deus-Menino,
A dúvida redentora do Cristo quando ele cogita afastar de si o cale-se
Inunda de águas vivas o lado negro da força cartesiana
Para que o ser humano não se torne descartável, rejeite preso às barragens de qualquer
Rio-Mar, do dessoriso, do só riso

Santa Maria, Mãe do Espírito Santo, rogai pelos nós: os brasileiros, os franceses, os islâmicos, por todos os nós

E que os nós possam se desatar, afastando o nós da tirania do eu, ajudando-o a se lembrar como é ser uma pessoa de primeira, plural



18 de novembro de 2015

O Homem-bomba que desexplodiu quando se apaixonou


Foto by Guto Noronha


O ex Homem-bomba
Por Absalon Sina-El

É lindo o teu jeito de não desistir de mim

Todas as vezes em que foste abduzido
Ou os extraterrestres explodiram tudo ao teu redor
Não conseguiram te fazer esquecer do meu nome invisível
E quando meu mundo de sonhos ruía, lá bem perto de onde o fim
Deságua no nunca mais
Lá, tu enfrentaste a correnteza do deserto
E me resgataste só pra me fazer respiração boca-a-boca, seu devasto

Eu te amo
Porque compreendeste quando eu ligava sem me identificar
Em busca do instante em que teria coragem de dizer que estava a fim e a reinício de ti
Coragem de arriscar te perder, te ganhar, antes de sequer ter me achado, me vencido

Minhas vergonhas e segredos inconfessos quase se ajoelharam diante da esperança fervente
Mas, o amanhã, que não precisa de súditos, perdoou os devedores que estavam escondidos em mim
Só não teve absolvição plenária o medo de não ser mais achado por ti
E o mais incrível é que não desististe de emprestar tua nudez e teus pontos fracos a este pecador

Que escreve com a mão que, em vão, tenta substituir pela escrita o desejo aprisionado de te tocar 

Com tua ajuda, meus eus que se auto-punem
Repetidamente, ao longo de uma linha do tempo minada por infinitivos,
Tem experimentado a conversão ao anti-terror
E uma bandeira franco-brasileira trêmula ao som de nosso insondável abraço
A Faixa de Gaza torna-se sala de baile, onde valsam nossos beijos,
Que já não se lembram mais de qualquer vestígio de muros ou lamentações.

Foto by Karla Vidal


12 de novembro de 2015

Dando férias à poesia


Frida Kahlo - Paul Lovering


Talvez, alguns sistemas solares achem descanso
Com as férias de minha poesia
E por que sinto que, quanto menos o amor trabalha, mais cansado se torna o amanhã?

Minha poesia é ridícula, radicularmente ridílouca
Não a culpo, ela somente luta pra sobreviver a uma reforma
Que a fará deixar de ser sala de espera

Poesia que prefere não se enganar
Mas, soa estranho aos olhares prosaicos ler uma poesia desenganada, porém revivescida

Sinto esse poema tão igual a tantos outros tantos
Mas, o sol se parece tanto com ele mesmo todas as manhãs
E, nem por isso deixa de ser absurdamente incomparável

Os poemas costumam ser propostas indecentes
Vândalos que pedem licença para entrar
Mas jamais são estupro

Depois das férias,
Minha poesia órfã apagará o nome de Alguém de suas linhas viúvas

Queria perguntar a quem lê se é muito criminoso tomar a iniciativa:
Ligar para quem não atende;
Escrever para quem não liga;
Marcar com quem espera que caia do céu algum imprevisto para não comparecer ao encontro
Mendigar para quem só dá o que tem

É uma arte perceber que a chatice não opera sob o regime de monopólio
Assim, diminui a culpa de quem, no fim da visita,
Isto é, logo depois de tocar a campainha, sente-se inoportuno

Mas, saiba:
Posso dizer agora que desejo que nossos humores se misturem
Sobre a tela de nossos corpos nus e envolvidos
Mas entre o dizer e o fazer, a valsa do querer recíproco (ou tricíproco, ou quadricíproco...) será sempre o liame
Pois a poesia pode tirar férias, ser ideologicamente falsa, perder a memória,
Mas, o impulso da lealdade continuará correndo en mis venas

Sabendo quem é e de qual veio veio.


6 de novembro de 2015

Com vocês, a nova Barbie: feminismo aberto ao contraditório



Uma provocação inteligente é suficiente para me retirar da inércia. Assim foi com a nova campanha publicitária da boneca Barbie.

O anúncio traz meninas em posição de liderança profissional (fazendo às vezes de médica, mulher de negócios, técnica de futebol, guia de museu), exibindo uma mistura de fofura e autonomia. Depois, estas crianças aparecem brincando com a Barbie, numa espécie de ensaio para seu futuro de mulheres autônomas e bem-sucedidas.

Trata-se de uma campanha onde atua o fenômeno da redução mítica, identificada pelo filósofo Umberto Eco nas histórias em quadrinhos da turma do Charlie Brown, escritas por Schultz. Nessas histórias, os mitos (entendidos, aqui, simplesmente como narrativas que estruturam a sociedade e têm caráter recorrente ou cíclico) ligados ao universo adulto, a exemplo do mito do homem de negócios, são revestidas de atributos do universo infantil (e redução, nesse caso, significa transposição). E essa coexistência contrastante entre o adulto e o infantil estimula, na opinião do pensador italiano, a reflexão crítica no seio da cultura de massa, que tenderia a solapar a criticidade.

A nova campanha publicitária da Barbie é uma proposta feminista que não escapa da tradicional receita patriarcal da garota que precisa ensaiar para ser mulher.

26 anos atrás, bem antes de Simone Beauvoir ser convidada a se tornar tema de redação do Enem, Yoná Magalhães representou, na TV, uma das personagens da novela Tieta, adaptação de Aguinaldo Silva para o romance quase homônimo de Jorge Amado (Tieta do Agreste).

A certa altura da trama, a antes maltratada e subserviente Tônia, recém-viúva, regressa do Rio de Janeiro para as dunas de Mangue Seco, desfilando uma incrível transformação, cujo pano de fundo era a música Uma Nova Mulher, de Simone. Com mais de 50 anos, Yoná Magalhães ilustrava uma canção cuja letra falava no desejo da mulher de poder sair das sombras e colocar no coração dos homens a sede de paixão, com segredo e malícia.

Em contraste com esta vocação feminista, o vestido azul de Tônia remetia ao dogma da Imaculada Conceição. Ou, talvez, o contraste seja aparente, tendo em vista que a Virgem Maria assumiu riscos/voos tipicamente feministas há mais de 2 mil anos.

Uma fórmula do feminismo resumida no apelo: “Deixe-me ser livre para o amor”. Passado tanto tempo, esse apelo, hoje, ganha voz entre homens e mulheres. Afinal, parece-me, 26 anos depois da queda do muro de Berlim, a (falta de) liberdade de amar continua sendo utilizada como muro para separar homens e mulheres, heterossexuais e homossexuais, dentre outras dicotomias que surgem pelo caminho, a exemplo de fiéis versus infiéis. ´

Do enfrentamento de preconceitos contra a mulher, creio eu, nasce potência para o enfrentamento de preconceitos relacionados a outros grupos sociais, assim como do enfrentamento do preconceito contra os negros.

O que parece que estou querendo dizer é que o enfrentamento de um preconceito é uma flecha capaz de atingir diversos alvos ao mesmo tempo. Nenhum preconceito está sozinho como nenhum enfrentamento é unidirecional. E não cabe no enfrentamento do preconceito o fingir que a contradição deixou de existir.

Até mesmo a Barbie, tradicional reduto simbólico da verve machista, tem direito a abrir seu flanco para acolher o enfrentamento da tirania. Mas, a mesma Barbie nos adverte que enfrentar preconceitos sem assumir as contradições só gera idealismo ingênuo, terreno fértil para recaídas reacionárias e retomadas triunfais de preconceitos, que nunca morrem: só hibernam.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...