15 de agosto de 2015

Maisa Nhem-Nhem-Nhem e o Ne me quittes pas da igualdade-liberdade



Quem é mais digno de ser ouvido? Beethoven ou Maisa?
Quem mais é digno de ser ouvido?

O cineasta José Padilha afirmou em entrevista que, no Brasil, não havia mais sensibilidade para identificar o absurdo. Mas, o absurdo é um fantasma a ser enfrentado pelas sociedades que decidem enfrentar o desafio de tornar realidade a democracia.

"[...] Os olhos de Maysa são dois não sei que, dois não sei como diga, dois oceanos não-pacíficos"., diria Manoel Bandeira.

Quem é mais digno de ser ouvido? Beethoven ou Maisa? (refiro-me a Maisa Carrossel – nhemnhemnhem e não Maysa Matarazzo)

O cineasta José Padilha afirmou em entrevista que, no Brasil, não havia mais sensibilidade para identificar o absurdo. Mas, o absurdo é um fantasma a ser enfrentado pelas sociedades que decidem enfrentar o desafio de tornar realidade da democracia.

Horrorizar-se diante do aumento da frequência de crimes que conjugam crueldade extrema a motivação fútil é o resultado

Não sei se a questão é a insensibilidade diante do absurdo contemporâneo. Talvez, a sensibilidade fique paralisada diante da suposta falta de alternativas que nos impinge um espírito democrático asfixiado; um final de relacionamento mal resolvido com o Feudalismo, onde, como lembra o antropólogo Norbert Elias, o cenário achava normal a grandeza e elegância dos nobres dividirem a cena, tranquilamente, com a peste bubônica e as esquinas exalando o cheiro de merda, cagada por cus que não se constrangiam em se expor publicamente.

Sinto, às vezes, como se fôssemos uma sociedade dos ressentidos. Nos ressentimos por não termos Beethoven entre nós e, ao invés dele, termos Maisa Nhem-Nhem-Nhem. Ou talvez isso não faça a menor diferença porque queremos ter o direito de exercitar a promiscuidade do ouvir, sem que isso signifique nossa excomunhão do seio da intelectualidade, seio murcho e decrépito (acrescentem-se outros adjetivos que ajudem a apagar a sede de reduzir o absurdo a pó).

O horror apático diante da conjugação criminosa entre crueldade extrema a motivação fútil reflete a impotência de uma sociedade que ainda não sabe como administrar a síntese, acostumada que está a conviver com a desigualdade extremada. Uma sociedade que está tentando fazer emergir uma noção de transporte público do abarrotamento de veículos avizinhados por penitenciárias-ônibus. Mas, nesse caso, os presos-passageiros não são custeados pelo Governo.
  
A questão que se coloca é a do mérito, que reflete o questionamento sobre quem tem o direito de ocupar um determinado lugar no espaço público. E fico pensando quantos rounds seriam necessários para que Beethovem levasse Maisa a nocaute.

A sociedade brasileira está acostumada a enxergar o cidadão como alguém que precisa ter seus gestos e gostos tutelados: uma leitura disfuncional do Código Civil. Olhamo-nos uns aos outros como se fôssemos civilmente incapazes: de sentir, de ouvir, de falar. E, certamente talvez, por isso o mérito seja por nós conjugado à autoridade, nos moldes do Antigo Regime. Assim, só pode ter opinião ou escolha aquele amparado por títulos de posse e de nobreza.

Nesse sentido, assustam as expressões culturais que acham lugar na sociedade abrindo mão do lastro da intelectualidade e do mérito. O que fazer diante de expressões que, assumindo-se merdas, pleiteiam espaço de legitimidade e voz?

De algum modo, esse aparente caos do desmérito reflete uma tentativa de buscar, no terreno da cultura, espaço para fazer valer o princípio da igualdade, previsto pelo artigo 5º da Constituição.  O direito à vida e à liberdade independe de raça, cor, sexo, classe social, situação econômica, orientação sexual, convicções políticas e religiosas.

Pergunto-me se o aparente caos da cultura Nhem-Nhem-Nhem não é uma reação orgânica a uma doença social que aflige o Brasil a 515 anos: a ordem perpétua. No fundo, nossa sociedade investe na ideia parasita de que tudo está na mais perfeita ordem, como os quadros medievais em que  miséria e opulência conviviam como naturalidades, cridas como determinadas pela “justiça” divina.

Numa sociedade em que se vende a ideia de que a busca por remédios para seus males é uma afronta, o organismo produz seus anticorpos como pode, tentando debelar o insustentável peso da mentira da ordem democrática que é ordem, mas está longe de ser democracia, embora esteja tentando descobrir o que é isso, pedindo ajuda ao caos, força que flerta com a criatividade, mas também com a violência.
Não sei se concordo com Hegel, porque trazê-lo para a mesa de bar de meus pensamentos declarados pode soar pedante, posto que ele deveria ser convidado a tomar parte das reflexões daqueles cuja mente é um restaurante de alta culinária francesa.

Não sei se concordo com Hegel quando ele diz que não há como atingir a razão sem atravessar a antessala (corrigida automaticamente pelo editor eletrônico de textos, único “ser vivo” com capacidade de compreender o uso do hífen) do caos.

Não sei também se concordo com José Padilha quando ele diz que perdemos a sensibilidade de identificar o absurdo.

Quem é mais digno de ser ouvido? Beethoven ou Maisa?

Quem mais é digno de ser ouvido?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...