Linchamento retratado por Ângelo Agostini em São Paulo (1888). Fonte: Revista Carta Escola |
Desiludido pela ducentésima vez com meu novo amor e pela quingentésima
com meu amor secreto – cujo paradeiro é desconhecido desde 20?? - quase desisti
de escrever. Mas não resisto a uma provocação e não tenho culpa se a insônia me
provoca e as redes sociais também.
Recentemente, o Papa Francisco escreveu sobre a letargia que
toma conta da sociedade, uma espécie de ressurreição da acedia, nome dado ao
sentimento de impotência e desolação que afligia particularmente os monges em
peregrinação pelo deserto. Daí este sentimento ter sido apelidado de “Demônio
do Meio-Dia”. Hoje, segundo Francisco, esse mal que, antes era considerado
eminentemente espiritual, seria conhecido por nós como depressão, assumindo
contornos de um distúrbio em parte químico e em parte psíquico.
Porém, não é a Acedia nem a depressão o tema desse texto,
mas sim o questionamento acerca da Letargia dos “Santos” dos Últimos Dias.
Na balança dos afetos, uma disfonia, regida pela impunidade,
faz com que a sociedade oscile entre a letargia (e seus derivados, a saber, a
indiferença, a impotência, a preguiça e o desencanto) e a euforia sádica. E,
num mesmo cenário, é possível testemunhar coabitarem, de maneira terrível,
indivíduos que dedicam sua potência ao linchamento e outros que assistem sem
esboçar reação alguma, trazendo no rosto o nadismo: mistura de tédio narcísico e
crueldade blasé. Refiro-me ao vídeo que anda circulando na Internet sobre a execução
de uma mulher que havia matado um cachorro, queimando-o com um maçarico.
Seria precipitado falar em uma bipolaridade social. Mas,
algo metaforicamente próximo dessa doença está se instalando no atual contexto.
E, talvez certamente, seja uma resposta a nossa paralisia diante de dilemas
morais. Tentamos nos convencer de que
tudo é relativo, mas não conseguimos desospedar do espírito o fantasma do
absoluto. E, pior ainda, professamos um relativismo que, na prática, não
sabemos implementar. Diante de situações extremas, que desafiam medos e
preconceitos arraigados, perde-se de vista a saída do labirinto e se quer agir
como um homem-bomba, mandando tudo, inclusive Ariadne (ou a saída), pelos ares.
Letárgicos diante de um mundo que parece abortar qualquer
tentativa de mudança, posto que está em eterna crise, indivíduos têm dado vazão
a impulsos de terror, como se este fosse a única força com a qual seria possível segurar
as rédeas de supostas oportunidades de fazer o que a sociedade nos negaria.
Neste sentido, o linchamento seria a nefasta tentativa
de se combinar “Justiça”, fuga do tédio, crueldade e o desejo oculto de assumir
o trono dos deuses da covardia. E, após esses espasmos de heroísmo desvirtuado,
a alma fútil retorna ao estado de letargia que, somada ao riso prostituído,
anestesia o cotidiano, numa sociedade, onde os diferentes espaços resumem-se à
sinistra sala de jantar da canção Panis et Circenses. E esse revezamento entre letargia
e euforia linchante também assalta as redes sociais, escoradas na blindagem do anonimato.
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