3 de junho de 2015

Entre o linchamento e a letargia: o delirante dilema proposto pela contemporaneidade tardia


Linchamento retratado por Ângelo Agostini em São Paulo (1888). Fonte: Revista Carta Escola


Desiludido pela ducentésima vez com meu novo amor e pela quingentésima com meu amor secreto – cujo paradeiro é desconhecido desde 20?? - quase desisti de escrever. Mas não resisto a uma provocação e não tenho culpa se a insônia me provoca e as redes sociais também.

Recentemente, o Papa Francisco escreveu sobre a letargia que toma conta da sociedade, uma espécie de ressurreição da acedia, nome dado ao sentimento de impotência e desolação que afligia particularmente os monges em peregrinação pelo deserto. Daí este sentimento ter sido apelidado de “Demônio do Meio-Dia”. Hoje, segundo Francisco, esse mal que, antes era considerado eminentemente espiritual, seria conhecido por nós como depressão, assumindo contornos de um distúrbio em parte químico e em parte psíquico.

Porém, não é a Acedia nem a depressão o tema desse texto, mas sim o questionamento acerca da Letargia dos “Santos” dos Últimos Dias.

Na balança dos afetos, uma disfonia, regida pela impunidade, faz com que a sociedade oscile entre a letargia (e seus derivados, a saber, a indiferença, a impotência, a preguiça e o desencanto) e a euforia sádica. E, num mesmo cenário, é possível testemunhar coabitarem, de maneira terrível, indivíduos que dedicam sua potência ao linchamento e outros que assistem sem esboçar reação alguma, trazendo no rosto o nadismo: mistura de tédio narcísico e crueldade blasé. Refiro-me ao vídeo que anda circulando na Internet sobre a execução de uma mulher que havia matado um cachorro, queimando-o com um maçarico.

Seria precipitado falar em uma bipolaridade social. Mas, algo metaforicamente próximo dessa doença está se instalando no atual contexto. E, talvez certamente, seja uma resposta a nossa paralisia diante de dilemas morais.  Tentamos nos convencer de que tudo é relativo, mas não conseguimos desospedar do espírito o fantasma do absoluto. E, pior ainda, professamos um relativismo que, na prática, não sabemos implementar. Diante de situações extremas, que desafiam medos e preconceitos arraigados, perde-se de vista a saída do labirinto e se quer agir como um homem-bomba, mandando tudo, inclusive Ariadne (ou a saída), pelos ares.

Letárgicos diante de um mundo que parece abortar qualquer tentativa de mudança, posto que está em eterna crise, indivíduos têm dado vazão a impulsos de terror, como se este fosse a única força com a qual seria possível segurar as rédeas de supostas oportunidades de fazer o que a sociedade nos negaria.

Neste sentido, o linchamento seria a nefasta tentativa de se combinar “Justiça”, fuga do tédio, crueldade e o desejo oculto de assumir o trono dos deuses da covardia. E, após esses espasmos de heroísmo desvirtuado, a alma fútil retorna ao estado de letargia que, somada ao riso prostituído, anestesia o cotidiano, numa sociedade, onde os diferentes espaços resumem-se à sinistra sala de jantar da canção Panis et Circenses. E esse revezamento entre letargia e euforia linchante também assalta as redes sociais, escoradas na blindagem do anonimato.




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