24 de agosto de 2014

Poema do segundo sentido: a visão


Olho de rosa - Foto by Marcelo Lacerda


A visão é um sentido atípico
Fala sem som e sem palavra
Toca sem mãos e envolve sem abraço
Ouve sem tímpano, fere sem martelo, desequilibra sem labirinto
Pinta as mais sonoras explosões até mesmo na moldura do vácuo

Os olhos comem: um apetite cego
A visão só não consegue cheirar
Porque ficaria difícil para a microscopia desvendar o aroma intramolecular

A visão invade a privacidade do futuro e ilude o presente,
Fazendo-o crer que este exato minuto é soberano
Mas, apesar desse jeito de usurpadora, a visão ensina
Que nenhum sentido é autossuficiente
Ou capaz de exercer monopólio sobre o amor
Não existe amor feito só de visão, audição, olfato, paladar ou tato
Em parte o amor é todos os sentidos,
Em parte um sentido indefinível
Em parte é total cegueira, surdez, desgosto
E sempre uma demão de falta de tato
É a precognição que se esconde em todo perfume

Deixa de lado as metáforas cansadas que buscam fazer dos sentidos prisões
Olha-me e deixa-me te olhar sem que precisemos deixar de ser companheiros
Não tenha medo de que um Eu te amo me ancore à porta de entrada dos teus sonhos
Ou vista teus projetos de rua-sem-saída
É possível olhar com olhos de eternidade e depois seguir em frente como amigos em cores

Tornando desnecessário o Nunca Mais.

2 comentários:

  1. Esplêndida prosa poética, exalta o ponto de partida da curiosidade,
    depois atiça o dom imaginativo, criando ao fim um poeta entregue
    aos sentimentos. Felicidades. Inês Marucci

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    Respostas
    1. Inês, o seu comentário dignifica não só este poema, mas todos os que já escrevi. E o esforço dignificado é o maior combustível para o coração de um poeta. Abraços de Cláudio Clécio :)

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