31 de agosto de 2014

Quando Deus se ajoelhou ao meu pé-do-ouvido: o sentido da audição

Foto by Jassim Yahoo


Audição
Por Eltabu Kowski

Não creio que a Igreja me perdoará
Por escolher me confessar enquanto migro de Caruaru para Recife
Coloquei no MUTE meu rádio vagabundo, que custou R$?00 dólares
Desliguei o leme dos meus pensamentos
Minhas mãos continuavam no volante
Mas a alma delas tinha se teleportado para acariciar os azuis de quem amo

Pedi licença para falar em voz alta com Deus
Desabrigando Sua telepatia
Dois loucos se fizeram companhia durante 1 hora e meia taça de doçura represada
Com medo de que a lua fosse presa por tráfico de contramãos
Deus se ajoelhou ao pé do meu ouvido* e sussurrou muitos silêncios furtacor
Roubando-me a coragem de partir
E o medo de prosseguir


Quando me dei conta, Deus estava, pela septcentésima vez me ouvindo falar de ti

Pense de quantas encarnações tive de desviar para te encontrar nesta vida clandestina!
Quando você me disse “A gente se fala”, pensei:
Quem está mentindo? Os pássaros ou o Inverno que os obriga a partirem?
Se não foi mentira, joga fora o manto de invisibilidade
Se foi, me avisa quando teu olhar sincero avisar a tua risada que a graça da piada é finita

Se foi política, terei de esperar até o Terceiro Turno
Para que esse Noturno pare de tocar em meu corassãozinho errado e doído?
Não sou candidato, mas estou partido ao inteiro
E inda corro o risco de ser preso
Porque minhas digitais desmentem quem sou

E insistem em me confundir com essa tal de Saudade.


* E a penitência do meu pé-do-ouvido tem sido esperar que se cumpra a promessa de uma Árvore de Peras

24 de agosto de 2014

Poema do segundo sentido: a visão


Olho de rosa - Foto by Marcelo Lacerda


A visão é um sentido atípico
Fala sem som e sem palavra
Toca sem mãos e envolve sem abraço
Ouve sem tímpano, fere sem martelo, desequilibra sem labirinto
Pinta as mais sonoras explosões até mesmo na moldura do vácuo

Os olhos comem: um apetite cego
A visão só não consegue cheirar
Porque ficaria difícil para a microscopia desvendar o aroma intramolecular

A visão invade a privacidade do futuro e ilude o presente,
Fazendo-o crer que este exato minuto é soberano
Mas, apesar desse jeito de usurpadora, a visão ensina
Que nenhum sentido é autossuficiente
Ou capaz de exercer monopólio sobre o amor
Não existe amor feito só de visão, audição, olfato, paladar ou tato
Em parte o amor é todos os sentidos,
Em parte um sentido indefinível
Em parte é total cegueira, surdez, desgosto
E sempre uma demão de falta de tato
É a precognição que se esconde em todo perfume

Deixa de lado as metáforas cansadas que buscam fazer dos sentidos prisões
Olha-me e deixa-me te olhar sem que precisemos deixar de ser companheiros
Não tenha medo de que um Eu te amo me ancore à porta de entrada dos teus sonhos
Ou vista teus projetos de rua-sem-saída
É possível olhar com olhos de eternidade e depois seguir em frente como amigos em cores

Tornando desnecessário o Nunca Mais.

18 de agosto de 2014

Poema do primeiro sentido: tato



Fonte da Juventude
Foto de Karla Vidal


Tato
Por Cerevenise Stür


Quem gosta dos que sonham?
No meio deste bombardeio sem pipoco, 
Desta guerra glacial,
Quem há de suportar se ver um corpo a céu aberto
Que contempla os sonhadores refugiados?

Deus, dá-me uma beira de refúgio, de sonho
Mas, vence em mim o dom de fugir
Meu tato não achou vaga na hospedagem do toque
E meu olhar foi desabraçado por tuas redomas
E peço a Deus, assim mesmo (graças a Deus)
Que minha oração consiga se infiltrar
E, como uma espiã, cative em ti os olhos
Do Divino Espírito
E que a beleza de Nossa Senhora
Habite todas as estações do teu semblante

Sei que não são palavras
Quem nos estende a mão na travessia
Do precipício
E não é a poesia que
Garante um amanhã melhor que o outro

Nada garante o amanhã
Mas, prefiro ensinar minha esperança
A ter fé no amanhã
Por meio de gestos e palavras de amor
Do que ensinar meu amanhã a
Perder a fé na esperança
Por meio da guerra

Meus abraços e beijos: passagem só de ida
?
!

Amor, meu peito se abre...
Se hoje não pude te demonstrar
O quanto minha complexidade
Quer teu bem por excesso (como um inúmero)
E, por falta, como um grão de pósitron

Saiba que tu tens meu amor
Não só como prova, mas também como postulado
E como aporia e voltava
Meu bom dia, quer sonoro quer tácito,
Seja os pés da cruz onde todo mal que te quiser atingir
Rompa o casulo, crie asas e vire borboleta que se deixe chover
Sobre o mundo inteiro

Meu amor, vou ali dormir um pouco
Me acorde, de vez em quando, pro teu ser feliz

Que teu ser feliz não seja o peso da constância,
Da monotonia
Que seja o mergulho de uma brisa
No colo de um abismo onde
Quedas ou tropeços façam-se luz
E oportunidade
Metáforas desenhadas pelos anjos
Para dar face à contradição e

Disfarce ao amor, à alegria e à paz

14 de agosto de 2014

Poema detector de insubstituibilidade

Una rosa negra - Fonte da imagem: Unicamor.com


A Tonho e Mariinha, ao casal Campos e a todos os casais que se amam e amarão depois do depois

Insubstituível
Por Linav Koriander


Sem se dar conta, a luz, hoje, caminhou em marcha lenta
E carros cabisbaixos fecharam os olhos em prece
Tu és tão insubstituível, em cada gesto e contragesto
Que toda distância e ausência serão vencidas, fatalmente,
Pelo Reencontro
Pois o universo não conseguirá ficar muito tempo
Sem sorrir no teu ombro
Sem orar por teu sorriso

Valeu a pena e o passaredo
Encontrar em ti a insubstituibilidade
Que desenha o sabor do sal da terra
E acende o pavio da luz do mundo

E tomara que Deus permita logo que teu afago
Venha corrigir a miopia da distância,
A hipermetropia do vazio
E esta dor presbíope
Pois a impressão indelével do teu abraço caloroso
Justifica a espera da esperança cega
Que anseia por te rever
Depois que teu olor humano terminar
De driblar o nevoeiro da calejada invisibilidade
Que, inutilmente, tenta me separar de ti

Grande amor.

13 de agosto de 2014

Sobre a divisão dos Poderes nos banheiros e nos corredores

Fonte da imagem: Labsticky.blogspot



O banheiro, não à toa, é habitado pelo eco (ou pela reverberação, caso queiramos nos prender aos detalhes sórdidos da Física). Isto porque ele tem o poder de amplificar. Pequenas frases, escritas nas portas, capturam a atenção de nossos olhos sem precisar da ajuda de lupa. Nesse lugar, brincam de roda curiosidade, controle e (parco) poder.

Dizem as más línguas, que banheiros são hábitat natural de conversas femininas (será que esta ilação vem da mitologia grega, na qual Eco, originalmente, foi uma mulher?), onde em vez de álcool se destilaria veneno (de alambiques retocados de batom).

Mas, não é bem verdade. Tendo em vista que, pelo menos hoje em dia, a produção de veneno se democratizou bastante e desconhece fronteiras de gênero. Quem vai ao banheiro de um Shopping, ou outro qualquer, e tem a chance de ficar um pouco mais que os trinta segundos necessários para “Fazer o número 1”, tem chance de testemunhar como banheiros se tornam lugares para que as pessoas exerçam sua crueldade relâmpago, decretando penas, selando destinos, reduzindo biografias a frase de (de)feito.

E, coitada de Eco, condenado a propagar a barbaridades de banheiro e a ser desdenhada pela indiferença e crueldade narcísicas.

Nos corredores, a lógica é semelhante. Mas, parece que o corredor é menos lugar de desabafo (ou desova) e mais um lugar de contágio. Espera-se que a maledicência cultivada nos corredores seja incubada no ouvinte e que, mais à frente em alguma alcova ou banheiro, o vírus incubado rompa o invólucro da discrição e contagie o máximo número possível de “desavisados” ou de pessoas que, vacinadas pela hipocrisia, torcem para que suas barreiras imunológicas cedam diante do contágio da fofoca, único vírus que o doente convida para entrar.

Os corredores parecem ser mais convidativos aos que querem atribuir o mal aos outros. Já os banheiros parecem ser mais atrativos para aqueles que buscam confessar o mal que desejam praticar, mas que, talvez, não tenham de coragem de fazê-lo.

Nas conversas de corredor, não há santa que escape de virar puta, nem trabalhador que escape de virar vagabundo. Nos banheiros, covardes professam instintos homofóbicos, genocidas, misóginos, e outros tipos de preconceitos ancestrais e torcem para que o mundo se torne nazista o suficiente para abrigar seu ódio cego, como se o revérbero do banheiro estivesse condenado a ser seu cúmplice, diante da impossibilidade de ser testemunha de acusação.

Mas, não será o corredor ainda pior, tendo em vista que propaga informação sem ajuda alguma do eco, por meio do vírus da maledicência incubado no silêncio omisso dos interlocutores?

Mas, há algo de semelhante entre banheiro e corredor: neles nenhum o direito constitucional a ampla defesa e contraditório simplesmente desaparecer: como se nestes dois espaços o Outro pudesse ser apagado, mesmo continuando a ser o tópico da conversação;  constrói-se uma atmosfera de precognição, de “profecia” e se busca, ao menos discursivamente, fazer valer a Lei de Talião e outros tipos de penas ainda que o objeto e autor do crime não existam. Banheiro e corredor vivem de réus, independentemente da existência de crime.


No banheiro e no corredor, cultiva-se uma estranha igualdade: todos são igualmente juízes, igualmente monarcas, igualmente Papas, até que Eco prove o contrário...

6 de agosto de 2014

Dicas de como descobrir um amor que é leve


Via Britta Nickel


É fato: amar ajuda a subir escadas
Quando subo três andares, subindo apenas quatro, é amor

Ser parado em blitz da Lei Seca e ficar contente
Imaginando, ao soprar o bafômetro, lindos lábios, à distância, soprando tuas feridas de corpo e alma:
É amor, véi

Lembrar de Chopin lendo estatísticas de trânsito: #amor

Ler um e-book e sentir cheiro de páginas de vinho tinto de rosa: diz-me com quem amas, porra!

Perder a última parte de um episódio decisivo de 24 horas por 24 segundos de bate-papo no Face, sem ser cara a cara: se isso não é amor, não sei mais o que é

Achar interessante uma conversa que começa por política, passa por banco de dados e termina com teoria da complexidade: ROMA: só que ao contrário, meu filho

Prestar atenção no duplo sentido dos silêncios: _ _ _ _
Abrir mão do Google e ir a uma biblioteca para descobrir que o verso “Amor é fogo que arde sem se ver” é de Camões e não de Renato Russo: “Sem amor eu nada seriaaaa”

Correr na esteira, que flutua como se meus pés houvessem tomado Red Bull
Os escorregões são como uma andada de skate
Os corcéis preferem ser diversidade a ser puro sangue
As viagens se tornam mais paisagem e menos bagagem
Os abraços se tornam mais e mais liberdade
Os tornados se tornam brisa e as brisas se tornam tornados:

Mãos ao alto, é de amor tal salto!

Sobre os olhos azuis do Grand Canyon



Walking on the sky - Jessica Minh Anh


Visualizado
Por Cláudio Eufrausino

Meu grande amor foi convidado a me achar
E vai que ele aceita o convite!
Cujo laço é uma mecha fumegante
Que os tempos idos pentearam sobre tua testa
Onde mergulharão meus mais sinceros beijos

Não preciso de tua companhia para salvar os chamados
Presos nas profundezas do Grand Canyon, que
Por falta melhor do que fazer mudou-se para minha garganta
Travada pelo choro

Um eu inocente saltou da fotografia
E lançou o diploma que trazia nas mãos
Na outra face da sociedade iscariótica
Depois de me roubar os tiros com que a vida me alvejou
E fazer de mim um núcleo sem carioteca
O amor afogou os ridículos da minha coragem
Mas, a lágrima
Não consegue ser derramada
Até que as ramas de rosa me cheguem de teus olhos azuis
Tornando inexatos todos os cálculos, até mesmo os renais

Mas, meu querido Visualizado, apara o silêncio dos teus espinhos
Para que tenha direito a voto a voz dos sonhos
Te admiro como quem ama
Sei da dor do desabrochar, da dor do nascer do sol
Mas, não desisto de ser semente e de ser um novo dia
Para ter a chance de te visitar
Tu és doce risco que a festa da vida tem abraçado
E a noite espera pra dormir no teu peito
E, mesmo dormindo, de olhos fechados,
Teus olhos azuis me olham

E os meus, castanhos, te guardam.
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