26 de julho de 2014

O Homem que foi ressuscitado antes de morrer:Não sei... Só sei que foi assim.

Foto: Dorival Elze 


O Homem que foi morto e ressuscitado antes mesmo de morrer. Este poderia ser o título de algum dos causos contados por Ariano Suassuna. Mas, neste caso o personagem principal da história é o próprio Ariano, que, de tão querido, começou a ter sua morte lamentada enquanto ainda estava em coma e após sua morte teve sua ressurreição decretada pelo próprio mártir Dom Sebastião. “Não sei... Só sei que foi assim...”

Ariano Suassuna fez Nossa Senhora romper com o silêncio e honrou o título de “Advogada Nossa”, concedido a ela na oração da Salve Rainha. Uma Nossa Senhora capaz do maior ato de coragem que um ser humano pode ter: o de convencer Deus que o ser humano é digno de perdão.

No mesmo Auto da Compadecida, o Cristo de Ariano era negro. Isso em 1955, nove anos antes do discurso no qual o presidente norte-americano Lyndon Johnson defendeu a Grande Sociedade, onde todos pudessem ser tratados como iguais independentemente de raça, credo ou cor da pele.

E muito desse perdão que desenhou os gestos da Compadecida devia estar presente no próprio Ariano, capaz do maior ato de coragem que um ser humano pode ter: o de vencer pelo riso. Na escrita de Ariano, o perdão se confunde com o riso.

Lembro que, nas aulas dele, ele sempre propunha uma diferença entre Brasil oficial e Brasil real. E, desde então, quantas vezes, ao acordar, apalpo-me e me pergunto se sou um eu real ou um eu oficial. Isso porque nunca vou conseguir saber onde o outro - esse atraente pêndulo - pende para a oficialidade ou para a realidade...

Ariano também lembrava, em suas aulas, de como detestava viajar de avião, principalmente por ter medo da voz das locutoras dos aeroportos, que, a exemplo da voz da secretária eletrônica de cartões de crédito, parece ser sempre a mesma voz. Para Ariano, não havia melhor maneira de descrever o inferno do que viver de um aeroporto para outro tendo que ouvir sempre a mesma voz padronizada da locutora de aeroporto.


23 de julho de 2014

Planeta dos Macacos e o confronto entre o Paraíso e o Apocalipse



O filme Planeta dos Macacos, o Confronto, une as duas beiradas mais ancestrais do imaginário humano: a nostalgia do paraíso e o medo do Apocalipse. Mas, é possível também abordar estas beiradas de outra forma: o medo das origens e a esperança do Fim.

Qualquer destas beiradas nos conduz a um enigma que intermedeia a relação entre Paraíso e Apocalipse (entre origem e fim): quem é o grande culpado?: a barbárie ou a civilização?

Para Rousseau, como é sabido por quem bem o sabe, a bondade se confunde com a selvageria, isto é, ser bom significa necessariamente estar imune à civilização. Planeta dos Macacos questiona este ideal, ao apresentar um contexto em que mesmo sendo contaminados pela “racionalidade”, os animais conseguem desenvolver uma aspiração comum pelo convívio pacífico e pela preservação recíproca.

Apesar de saberem comunicar-se por meio de palavras, os macacos humanizados optam pela linguagem do gesto. A fala é reservada exclusivamente para a comunicação com estrangeiros (leia-se os humanos) e a escrita para a transmissão da sabedoria comunal, resumida a lemas como “Macaco não mata macaco”.

O filme coloca lado a lado a lenda do Eldorado, lugar de inocência paradisíaca, habitado pelos macacos, e uma terra devastada pela doença e pela guerra, onde vivem humanos que sobreviveram ao Apocalipse. 

O confronto entre humanos e macacos parece, em certos momentos, ser pautado não pela diferença entre estes grupos, mas sim pela disputa entre Eldorado e Apocalipse por um espaço comum: como se os conflitos e as guerras não fossem só fruto de sentimentos já conhecidos como ambição e ódio e fossem também resultado de uma inveja recíproca, um estranho magnetismo que faz os moradores do Eldorado serem irresistivelmente atraídos pelo desejo de experimentar o Apocalipse e as vítimas do Apocalipse pelo desejo de retornar ao Paraíso. Isso levando-se em conta que o Paraíso, na maioria das vezes, é a tentativa desesperada de devolver à memória os nuances, cheiros e texturas roubados pelo futuro.

Na história da filosofia sobre o conflito entre barbárie e civilização, Thomas Hobbes vai dizer que a civilidade foi benéfica (contrariando Rousseau) pois, em “estado natural”, o homem tende a ser “lobo do próprio homem”.  Em Planeta dos Macacos, esta máxima de Hobbes é enxertada pela contradição e parece proliferar-se em alternativas como: “O macaco é o lobo do próprio homem” ou o “O homem é o lobo do próprio macaco” ou “O macaco é o homem do próprio macaco” ou ainda “O homem é o macaco do próprio homem”.

Não deixe de ler também A origem de O Planeta dos Macacos - o elo perdido e suacontaminação pelo vírus do caráter humano




16 de julho de 2014

Para Nossa Senhora do Carmo e dos Desencontros

Foto: Cláudio Eufrausino


Nossa Senhora, esqueci hj a porta de casa aberta
E nenhum ladrão quis entrar
Nem aquele que pediu para entrar com Cristo no Paraíso
Marquei um desencontro e
Para desencontros quanto mais se chega atrasado mais pontual se é
E fui pontual durante 60 minutos que parecem não terminar

Nossa Senhora, ajuda-me aceitar que o afeto se resume à cordialidade de um Bom Dia trimestral
E ajuda minha ausência a não ser motivo de riso ou constrangimento alheio
E minha presença a estancar a hemorragia da indiferença
Ajuda-me a rir com os outros e não a rir dos outros

Plantaram hoje pétalas no meu retrovisor e a espera me deixou embaraçado
Grávido de um Eu te amo sem previsão para nascer
E de avidez prematura
Nossa Senhora, pede a Jesus que pague com sua graça o preço de meus afetos sequestrados

E ajuda-me a rir com os outros e não a rir dos outros


13 de julho de 2014

Crônica das cicatrizes



Koksijde (Holanda)  +karlavidal 




Obs.: Este texto foi digitado em um teclado americano, unico culpado pelos erros gramaticais


Cr^onica aguda das Cicatrizes
Por Linav Koriander


Claro, Senhor, que n'ao me arrependo de ter ajudado o amor a se refazer
De ter acionado todo o meu ardor pag~ao/apostólico
E conspirado para que o Grande Cirurgi~ao costurasse
Cada um dos milhares de cacos de um vaso da Dinastia Ming
Que, `a sombra sua, trazia o inteiro impossivel

Mas, Senhor, por quê os que oram pelo bem
S~ao tingidos de invisibilidade?

Recebe o desejo puro e sincero do mais eu que existe em mim
Mas, para isso, terås, senhor,
Que atravessar camadas de vozes
Feridas, pois n~ao hå åguas profundas sem tens~ao superficial
E n~ao hå sinceridade sem ferida aberta

Senhor, quanto mais amor sincero sai do meu peito, mais cicatrizes ele germina
E, ao promover o amor, parte de mim se torna um palco
Onde dores cicatrizadas contracenam
Com encontros desmarcados, com respostas n'ao dadas
Com montanhosos "dar-de-ombros"
E com indiferencas que corroem espinhos
Justi;ca parece isso: Uma parte de mundo inteiro costurada a uma parte de solidao;
Uma parte de cor colada a uma parte de preto-e-branco doîda e desmemoriada;
Uma parte que ora atada a uma parte que chora

Sinto falta de ser atingido,
Pois ao ser bombardeado a estibordo por misseis de n'ao-gesto, que me indiferem
Fico despedaçadamente inteiro
Como se meu corass~ao fosse uma fraçao imprøpria
E minha presença um número irreal

Mas isso é so uma parte de mim
A outra é todo descoberta e renovaçao
Ora menos, cora mais
E devassa a vergonha sem pdir licença para ser perdoada
Ou para se perder no reencontro
Que frutesce dos abraços carnudos
E dos beijos-árvore onde minha alma
Canta e se arvora para dar o bote
Como Eva redimida pelo Eu te amo que serpenteia a espinha da ressurreiç~ao.







6 de julho de 2014

Um poema para quem está aprendendo a amar: quando a lua escalou o céu



Lápis-Lazúli: rocha metamórfica de onde deriva a cor e a palavra azul


Lápis-lazúli

Por Sinatra Kowski

Alegria estranha e libertadora, que abre mão de prever o futuro
E assume o risco de se lançar como semente numa terra estrangeira de olhos da cor de mar doce
A semente, pelo menos de início, é verdadeiramente só, pois não tem certeza de onde está pisando
Mas, não desejo escapar do risco azul-celeste que deixa o Azul-da-Pérsia vermelho de vergonha
Me sinto seguro, mesmo sem ter certeza: sentimento estranho
E calmo e leve, mesmo quando estou inseguro: estranha saudade
E me sinto à vontade me sentindo estranho: estranha estranheza
Tudo parece fluir naturalmente, como uma ilha que, aos poucos, encontra seu lugar
Num oceano que torna doce este ano e todos os já idos
Até minha idiotia germina raios solares, daqueles que soam como carícia derrotando o inverno das dores
Toda estranheza supracitada se torna admirável, diante da alegria de te reencontrar vivo
E querido, inspirando justiça e idealismo (inclusive em mim)
Não sei quando vou embora (quando vais embora)
E que bom não saber e ter minha ignorância amparada por uma natureza orante
Que se junta a mim para te admirar e te desejar um Bom Dia, antes do orvalho nascer

E uma Boa Noite antes de a Lua escalar o silêncio do Céu

Quando Grice tremeu no túmulo: os destinos da conduta conversacional nas redes sociais

Johannes Vermeer  (1632 - 1675)Mistress and Maid, 1666-1667 



Facebook: uma plataforma sem rosto, porque o rosto pressupõe expressões faciais cambiantes: sujeitas à lei da Ação e Reação

Diferentemente do que ocorre com os retratos, que, por mais “naturais” que sejam, tendem a reduzir a complexidade dos sentimentos a um resumo ou fórmula expressiva:

As fotos são mitos porque cristalizam a imagem do ser humano fora do ciclo do tempo e do espaço
Nas terras do Face e de outras redes sociais, as regras de conduta na conversação (entenda-se regra não como decreto, mas sim como princípio de orientação) passam por uma tremenda crise, muito embora, como é sabido por quem bem o sabe, as crises são doloridas, mas também saborosas, porque delas os afetos tiram matéria-prima para se reinventarem

De acordo com um pensador chamado Grice, a conversação é regida por um conjunto de máximas ou preceitos. À medida que um ou mais preceitos deixam de ser seguidos, torna-se mais difícil a compreensão entre os conversadores

Certamente, existe na conversação uma força que nos impele a propositalmente fugir dos preceitos conversacionais e, desta maneira, temperar as conversas com poesia, romance, ironia e, por que não, uma pitadinha de veneno (afinal de contas, somos filhos de Deus, n’est pas?). Porém, as redes sociais, com sua hiperconectividade frouxa são um convite a estranhas/inovadoras formas de compromisso. Bem, em vez de nos aprofundarmos na teorização, partamos para exemplos práticos:

Máxima da Quantidade – Diz respeito à quantidade de informação necessária para que a interação e a compreensão ocorram.  Quando se viola este preceito, as pessoas ficam confusas sem saber como agir e o que pensar.

As redes sociais trabalham com mensagens que circulam e, a cada novo ciclo, voltam carregadas de significado. É o que acontece com os memes, as hashtags e as demais mensagens. Por este motivo, uma pequena frase ou imagem pode, erroneamente, ser interpretada como dotada de uma sobrecarga de informação. Afinal, ninguém é obrigado ao acessar o Face a estar ciente do valor agregado por frases, imagens ou vídeos. Por conta do processo de acumulação cíclica de significado, as conversas tendem a ser trocadas por fórmulas como a complexa equação: ‘’Beijinho no ombro”

Outra questão das redes sociais é a análise da carga informacional dos silêncios. Como é sabido por quem bem o sabe, o silêncio nunca foi bicho fácil de compreender. E agora piorou tudo porque, se repararmos bem, o silêncio, nas redes sociais, tem o mesmo status que as expressões faciais possuem na conversação cara a cara. A diferença é que, nas redes sociais, fica difícil distinguir quando o silêncio está ligado ao bom e velho “quem cala consente” ou significa outras coisas como indiferença piedosa, preguiça, dúvida ou carinho reprimido

Talvez a maior inovação do Facebook seja a de ter inaugurado um espaço onde as pessoas inventam maneiras de silenciar, deixando os outros confusos e sem saber o que pensar. Sinal dos tempos? Qui peut dire?

Máxima da qualidade – diz respeito à qualidade das informações elencadas para que a conversação se mantenha. Segundo Grice, as informações precisam ser importantes, claras e verídicas.

Claro que seguir a risca o que prescreve Grice seria proclamar a ditadura do tédio, pois não tem conversação que se sustente sem uma dose de imprecisão, mistério e dúvida. Contudo, as redes sociais têm se mostrado extremamente hábeis em fazer a conversação continuar com base em informações pisadas e repisadas bem como em informações que são inverídicas, mas, mesmo assim, apontam para um tipo de veracidade subliminar. 

Na verdade, clareza e veracidade são pesos que os integrantes das redes sociais não têm feito questão de carregar. Isto não significa que as redes são lugar de mentiroso, mas sim que as redes questionam os critérios clássicos da clareza e da veracidade. Mas isto não acontece sem sofrimento, pois ao mesmo tempo que questionamos os clássicos, deixamos que boa parte de nossas reações nas redes sejam governadas pelos critérios clássicos de clareza e veracidade, o que gera muito ruído comunicacional

Máxima da Relevância – os conversadores devem estar sintonizados num mesmo tema. A mudança do tema da conversação deve ser aceita por todos os que participam dela.  Talvez este seja o principal complicador da interação nas redes sociais, tendo em vista que uma postagem do Face, por exemplo, pode suscitar cem comentários cada um falando de um tema diferente. No final, quando a pessoa que postou o comment vai ver, o que era pra ser um elogio ao novo filme de Angelina Jolie se transforma numa discussão sobre os fundamentos éticos da mastectomia. Mas, c’est la vie, mon  ami!

Máxima do modo – trata diretamente do uso da linguagem, que deve ser clara, concisa e ordenada, segundo Grice. O problema da clareza e da concisão, nas redes sociais, é que elas são fruto de disputa com a clareza e a concisão que os outros trazem para a conversação. 

E os testes do Inmetro revelam: clareza e concisão são como cu: cada um tem o seu. Mas, isso não significa ausência de esperança para a interação humana. Tenho esperança que, num futuro próximo, vão surgir botões no Facebook dizendo “Não compreendi” e “Me explica melhor” ou ainda “Precisamos falar a sós” para tentar salvar a conversa da cilada que uma suposta clareza, alimentada pelas ondas da fofoca irrefletida, pode causar à conversação

A máxima do modo condena a enrolação, a obscuridade, a falta de ordenamento na narração dos acontecimentos e a não brevidade (demora para se ir direto ao ponto). Mas, como é sabido por quem bem o sabe a conversação não foi feita simplesmente para irmos direto ao ponto, mas para transformarmos o ponto em ponto-e-vírgula, em reticências, em interrogação, em exclamação. E, a clareza não é atributo automático. Existe um tipo de clareza de segunda instância que exige de nós a disposição para entrar de mansinho no mistério do outro, ensaiando o gesto delicado de tirar-lhe os véus. 

Daí, vem, como dirão os gregos, a Aletheia (verdade), palavra que traduzida significa: “sem véus”. Em todo caso, as máximas de Grice têm um preceito que as redes sociais não conseguiram abalar: o de que a interação conversacional só existe onde há reciprocidade, mesmo que esta reciprocidade seja silenciosa.


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