14 de junho de 2014

O que há de comum entre Malévola e A Culpa é das Estrelas: revisão das metáforas do mal, do esquecimento e da eternidade



Passados trinta anos e, finalmente, chegou a primeira vez que minha pressão baixou ao assistir um filme “triste”. Mas, estranhamente ou não, o filme triste ao qual me refiro não era propriamente triste. Acho que o que fez minha pressão baixar foi o fato de não estar acostumado com a oscilação entre tristeza leve (leveza de roupa colorida ondulando cheiro de amaciante no varal ensolarado) e tristeza profunda (roupa cor de luto estacionada num guarda-roupa sem saída).

Mas, devo dizer que A culpa é das Estrelas, inspirado no romance homônimo de John Green, oscila com desenvoltura entre as duas tristezas supracitadas. Tanto que fica até parecendo ser um filme mentiroso, quando, na verdade, é uma ficção: aquela mãozinha dada pelo fingimento para que verdade e mentira se deem as mãos na tentativa de tornar o mundo maior, ajudando-o a descaber-se em si mesmo.

O câncer acaba se tornando um tema transversal da história, pois o assunto principal é o modo como seres humanos impacientes (independentemente de estarem doentes) procuram trazer paciência e eternidade para uma vida onde não se sabe ao certo o momento em que a fase terminal chegará de fato a um termo.  Pois, como dirá o personagem Augustus (Gus) não se sabe ao certo o último dia em que estaremos bons (bom nesse caso significando sadio).

Hazel, a personagem principal, é uma garota realista que se permite apaixonar por Gus um rapaz que, por seus sentimentos, pertence ao gênero épico e por sua virgindade, pertence ao gênero fantástico ou, talvez, ao gênero realista, pois como dirá ele, as pessoas têm alguma dificuldade de querer intimidade com alguém que está tentando sobreviver e não tem uma das pernas. Augustus tem medo de ser esquecido e, a exemplo de Ulisses, gostaria de ter tempo para realizar atos memoráveis. Hazel está certa de que o esquecimento* é inevitável. Mas, esta divergência ideológica não impedirá que eles se aproximem e nos façam esquecer o estigma que as doenças costumam acionar, como se fossem capazes de roubar a capacidade de podermos nos sentar à mesa no banquete da “normalidade”.

A filósofa Susan Sontag escreveu um livro onde fala sobre como maior que a dor causada pela doença é a dor causada pelas metáforas que associamos às doenças, em particular ao câncer e à Aids. A maior graça de A culpa é das estrelas - graça que deve ser garimpada em meio aos inúmeros clichês de fofura que causam vergonha alheia tendo como música de fundo os fungados de choro de nossos companheiros de plateia – é como o filme revira de cabeça pra baixo as metáforas associadas à doença, mas também ao esquecimento e à eternidade, seja ela grande ou pequena.

Cena do filme Malévola
Esta revisão metafórica também está presente no filme Malévola, cuja personagem-título parece ter nascido para ser interpretado por Angelina Jolie. Malévola consolida o movimento de revisão dos rumos dos contos-de-fada,  concedendo aos “vilões” o direito de darem sua versão da história.

E, nesse movimento, as metáforas associadas ao bem e ao mal podem ser revistas. Será preciso dar um desconto a Malévola que não consegue efetuar a revisão metafórica do bem e do mal com a complexidade de um Fiódor. Mas, o filme nos faz pensar sobre certos instantes decisivos em que parece inevitável o convite ao abandono do amor. O filme traz também reflexões sobre o descompasso entre o gesto (que parece decidir pelo abandono do amor) e a atitude, que desmente o significado pontual do gesto. O testemunho de Malévola explora este conflito entre a pontualidade do gesto e a complexidade da atitude.


*Achei massa aprender uma nova forma de dizer esquecimento em Inglês: “obliviation”. Mentira, eu já sabia, mas havia esquecido que sabia...

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