7 de fevereiro de 2014

O disco arranhado das Mil e Uma Noites na voz de Sheherazade



Apresentadora Sheherazade no SBT


Nunca antes na história da comunicação, os silêncios falaram tão alto. Em círculos íntimos de relacionamento, as pessoas costumavam exercer, por meio do disse-me-disse, seus dotes de crueldade para com os fantasmas: os que não estavam ali presentes, nem em espírito nem em verdade, para se opor às queixas de bastidores. 

A fofoca parecia não conhecer o medo e o perigo. Todos e todas envernizavam as costas dos ausentes com suas impressões mal alinhavadas e depois continuavam “ tocando em frente” no desfile de máscaras da conveniência.

Este antigo perfil do fenômeno comunicacional parece estar dando adeus e como todo adeus, que se preze ou não, está atrelado a uma nostalgia.

Vide o exemplo do Facebook, a pátria dos silêncios com passaporte para o grito, onde os depoimentos e as imagens conspiram para que permaneça a sensação de que é possível manter como linha de frente o politicamente correto (conveniente) resguardando os territórios do silêncio onde se prolifera o disse-me-disse.

Todos e todas, desde que o mundo é Raimundo, cultivam a parcela “obscena” da comunicação onde pedem licença para dar vazão, minimante, a preconceitos. Mas, o que parece estar acontecendo é um sinistro intercâmbio entre a comunicação obscena (bastidores) e a procênica (palco).

O caso dos professores universitários que despejaram seu preconceito de classe mé(r)dia  ao fotografarem um indivíduo no Aeroporto Santos Dumont tem a ver com isto.  A gravidade da situação não está propriamente no embate entre o politicamente correto e a fofoca de bastidor, mas sim no esforço das pessoas de construir um canal de comunicação que negue o conflito entre estes dois polos, tentando unidimensionalizar a comunicação.

Em vez de estimular o confronto entre a máscara da conveniência (procênica) e o preconceito (obsceno), busca-se a tentativa fingida de reduzir a interação a uma dessas dimensões.

Desta forma, as redes sociais (incluindo o diálogo destas com a Televisão), tornam a comunicação uma ferramenta para edificar o “império do mal-entendido”.

Neste império, o pouco vira muito e o muito vira pouco.  Um curtir no Face, um compartilhamento, uma citação, qualquer fragmento é ancorado em fofocas de bastidor, em gritos do silêncio, colaborando para reforçar as estruturas do império do mal-entendido. 

Vejamos o exemplo de Raquel Sheherazade, que, em sua verborragia, dilui as verdades históricas em mil e uma noites de preconceitos articulados retoricamente. Ao expor o caso do rapaz que foi amarrado e espancado, Sheherazade cria uma lenda a qual chama de “legítima defesa coletiva”. Isso em flagrante desconhecimento do Direito Penal, segundo o qual ter usado exageradamente dos meios necessários para repelir a agressão, constitui excesso de legítima defesa, ilícito punível. 

Tenho dó dos silenciados que, à sombra das mil e uma noites de Sheerazade, não terão como se defender, a exemplo de James Dean, toscamente comparado a Justin Bieber.  A mesma Sheherazade esqueceu de incluir entre suas lendas, a realidade da sombria presença de imaginários remanescentes da ditadura, do coronelismo e da escravidão, que levaram o rapaz negro a ser algemado de forma análoga à tortura nos pelourinhos. 

Reduzir o Direito Humano a uma função estatal: excrescência de um Positivismo reducionista que mora não só em nossa bandeira, como num tipo de sombra que habita o coração brasileiro, insistindo em tratar medidas ditatoriais, medidas de exceção, como sendo prática da Justiça. 

Em sua verborragia, Sheherazade, consegue dar uma mão ilusória de potência argumentativa a fantasmas de tirania alojados no inconsciente coletivo brasileiro. Assim, acaba reduzindo o repertório das Mil e Uma Noites à repetição cansada do “Cortem-lhe a cabeça” da Rainha de Copas do “Maravilhoso” mundo de Alice.


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