22 de fevereiro de 2014

A saga do Roll In Tour e a incontrolável capacidade do Recife ser poesia




O Recife e sua incontrolável capacidade de ser poesia...
Capacidade elevada ao icoságono durante o Carnaval
Poesia grande do tamanho do Galo da Madrugada
E também pequena, poesia-semente, poesia-sêmen plantada nos blocos de carnaval
E, minha rua (a poética e recapiada Barão de Água Branca) também tem seu bloco:
O Roll In Tour
Hoje, ele fez aniversário de um ano
Umas sessenta pessoas vestidas de verde-limão
Me convenceram a dar voltas no quarteirão
Ao som dos clássicos carnavalescos
Mas, a volta no quarteirão se tornou meia-volta
Devido ao impedimento causado pelas obras da Via Mangue
Senti menos acanhamento do que pensei porque os blocos de rua
Pra mim são equivalentes as palhoças de forró pé-de-serra que tinham aos montes
Espalhadas pelas ruas de Caruaru: incluindo as ruas do Morro Bom Jesus
Mas, voltemos ao Carnaval e ao Roll In Tour
“É graças ao Roll In Tour que nossa vizinhança é cheia de motéis”, bradou um dos moradores
Do meu prédio e integrante do bloco
Faria total sentido, se os motéis não fossem mais antigos que o bloco
Mas, a obrigação de fazer sentido o tempo todo desaparece com o Carnaval
Uma das foliãs do Roll In Tour era feia, mas pense como frevava bem
Frevava tão bem que chegava a se tornar...
Simpática
Carnaval e frevo: essa mistura que nos faz ter em uma semana e meia
Dois ou três meses de aula de Spinning gratuita
E no Roll In Tour, o pessoal deu saída a todo o estoque de trocadalhos do carilho
Reservado durante 2013:
“Vou comprar a camisinha do bloco porque quero ir com Roll In Tour”
“Prepare-se, porque vai ser Roll In Tour o dia inteiro”
“Agora, a entrada triunfal de Roll In Tour”
E, como diria o sábio El Chavo: e assim substantivamente...
A rainha do bloco (Edilma que não é a presidenta): 80 e poucos anos de invejável vitalidade:
E erguia orgulhosa o porta-estandarte, sem se importar com o fato de
Seu reinado ter apenas um ano
Não podia faltar o concurso da mais animada foliã, carinhosamente chamada de "capada"
Uma ponta de tristeza quando vi que na contramão do frevo,
Um cachorrinho subnutrido remava com a pata manquejante
Do alto de minha classe média, segui frevando, impotente e inoperante
E, precisei chegar à idade de Cristo para perceber que a alegria tem um quê de omissão
Missão cumprida: carnaval aberto pela entrada de Roll In Tour
E todos que me leram também puderam experimentar um pouquinho de Roll In Tour

Agora, volto pra escrita da tese de doutorado: quarta-feira ingrata em pleno sábado pré-carnaval...

17 de fevereiro de 2014

A lua que morde e assopra

Malcolm Park (North York Astronomical Association)



Retina
José Luis Paredis

Quis roubar de minhas retinas a lua cheia nelas gravadas
Mas, não sei se teria coragem de te presentear com o produto do roubo
E correr o risco de que com ela venha junto minha cegueira, meus ontens
Tão difíceis de cicatrizar, de cumprirem seu papel

Além disso, falta à lua cheia roubada as mãos dadas
Uma lua roubada é minguante de abraços
E incapaz de se tornar lua nova
Quando deixo descansar minhas ilusões
No retorno tranquilo que bate no centro de teu tórax
Quando deixo adormecerem as desilusões
Na comovente tempestade que encontra consolo em teu peito

Meu bem, quando chegará o dia em que a lua gravada em minhas retinas
Poderá ser sem-vergonha de iluminar a dança dos que se amam e
Que são proibidos de dar beijo de foca à luz do sol?

Não sei quando a lua que impressiona meu nervo óptico
Será capaz de se desenredar das forcas que nadam
Na dor cansada dos meus mares em preto-e-branco

O amor me costumava ser puro e simples
Calma que escoltava a esperança e a fé pelos desertos da idade adulta
Mas, nas mãos de teus meio-silêncios
Meu amor foi internado como louco
Temido como um tirano
Rido como um palhaço clarividente, que não se enxerga
Repugnado como um corrupto vestido de lixo e de linchamento

Quando a lua fez uso capião de minhas retinas
Trouxe para meu quarto a crescente dor da tua lembrança
E o alívio da tua saudade
E espero ansioso pelo dia em que esta lua que morde e assopra
Caia de madura, deixando um pouco de suavidade se quer
Escorrer pelas brechas dos abraços não dados

Paralisados e boquiabertos diante do brilho áureo dos beijos futuros



Porque Marly Marley merece um pouco da lua gravada nas retinas.

7 de fevereiro de 2014

O disco arranhado das Mil e Uma Noites na voz de Sheherazade



Apresentadora Sheherazade no SBT


Nunca antes na história da comunicação, os silêncios falaram tão alto. Em círculos íntimos de relacionamento, as pessoas costumavam exercer, por meio do disse-me-disse, seus dotes de crueldade para com os fantasmas: os que não estavam ali presentes, nem em espírito nem em verdade, para se opor às queixas de bastidores. 

A fofoca parecia não conhecer o medo e o perigo. Todos e todas envernizavam as costas dos ausentes com suas impressões mal alinhavadas e depois continuavam “ tocando em frente” no desfile de máscaras da conveniência.

Este antigo perfil do fenômeno comunicacional parece estar dando adeus e como todo adeus, que se preze ou não, está atrelado a uma nostalgia.

Vide o exemplo do Facebook, a pátria dos silêncios com passaporte para o grito, onde os depoimentos e as imagens conspiram para que permaneça a sensação de que é possível manter como linha de frente o politicamente correto (conveniente) resguardando os territórios do silêncio onde se prolifera o disse-me-disse.

Todos e todas, desde que o mundo é Raimundo, cultivam a parcela “obscena” da comunicação onde pedem licença para dar vazão, minimante, a preconceitos. Mas, o que parece estar acontecendo é um sinistro intercâmbio entre a comunicação obscena (bastidores) e a procênica (palco).

O caso dos professores universitários que despejaram seu preconceito de classe mé(r)dia  ao fotografarem um indivíduo no Aeroporto Santos Dumont tem a ver com isto.  A gravidade da situação não está propriamente no embate entre o politicamente correto e a fofoca de bastidor, mas sim no esforço das pessoas de construir um canal de comunicação que negue o conflito entre estes dois polos, tentando unidimensionalizar a comunicação.

Em vez de estimular o confronto entre a máscara da conveniência (procênica) e o preconceito (obsceno), busca-se a tentativa fingida de reduzir a interação a uma dessas dimensões.

Desta forma, as redes sociais (incluindo o diálogo destas com a Televisão), tornam a comunicação uma ferramenta para edificar o “império do mal-entendido”.

Neste império, o pouco vira muito e o muito vira pouco.  Um curtir no Face, um compartilhamento, uma citação, qualquer fragmento é ancorado em fofocas de bastidor, em gritos do silêncio, colaborando para reforçar as estruturas do império do mal-entendido. 

Vejamos o exemplo de Raquel Sheherazade, que, em sua verborragia, dilui as verdades históricas em mil e uma noites de preconceitos articulados retoricamente. Ao expor o caso do rapaz que foi amarrado e espancado, Sheherazade cria uma lenda a qual chama de “legítima defesa coletiva”. Isso em flagrante desconhecimento do Direito Penal, segundo o qual ter usado exageradamente dos meios necessários para repelir a agressão, constitui excesso de legítima defesa, ilícito punível. 

Tenho dó dos silenciados que, à sombra das mil e uma noites de Sheerazade, não terão como se defender, a exemplo de James Dean, toscamente comparado a Justin Bieber.  A mesma Sheherazade esqueceu de incluir entre suas lendas, a realidade da sombria presença de imaginários remanescentes da ditadura, do coronelismo e da escravidão, que levaram o rapaz negro a ser algemado de forma análoga à tortura nos pelourinhos. 

Reduzir o Direito Humano a uma função estatal: excrescência de um Positivismo reducionista que mora não só em nossa bandeira, como num tipo de sombra que habita o coração brasileiro, insistindo em tratar medidas ditatoriais, medidas de exceção, como sendo prática da Justiça. 

Em sua verborragia, Sheherazade, consegue dar uma mão ilusória de potência argumentativa a fantasmas de tirania alojados no inconsciente coletivo brasileiro. Assim, acaba reduzindo o repertório das Mil e Uma Noites à repetição cansada do “Cortem-lhe a cabeça” da Rainha de Copas do “Maravilhoso” mundo de Alice.


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