29 de janeiro de 2014

O que a autista de Amor à Vida tem a nos dizer sobre a artificial fronteira entre isolamento e interação



O relacionamento que a novela Amor à Vida traz, entre um jovem advogado e uma bela moça autista, veio salvar os dois últimos meses da novela do marasmo que a escoltou: com fortes ondas de mesmice estereotipada, diante das quais o mar morto chega a se sentir um verdadeiro tsunami.  Do convívio entre estes personagens, levanta-se uma interrogação um tanto contemporânea: fazer ou não parte das comunidades (des)humanas?  

Numa cena tocante, porém obtusa, que marcou o clímax da história de amor entre Rafael e Linda (a jovem autista), ela expõe diante de sua família como havia se sentido até conhecer Rafael. Pediu socorro e expressou o quanto era angustiante ter estado na prisão dela mesma, ouvindo , vendo o mundo exterior sem que este mundo conseguisse de fato chegar a ela, incapaz de romper um tipo de vidraça que inviabilizava o contato dela com a comunidade humana. Na vida de Linda, Rafael agiu como um tipo de barqueiro Aqueronte, às avessas, funcionando como um canal que a conduziu de uma situação de reclusão para uma suposta liberdade representada pela possibilidade de interagir com outras pessoas.

Independentemente de avaliações da cena, merece atenção a discussão sobre o mito que ela reforça: o de que são opostos irreconciliáveis o isolamento e a interação.

Tolice acharmos que toda a nossa personalidade pode ser resumida a um desses extremos. Tolos os filósofos existencialistas que apostaram na comunhão entre isolacionismo e morte como única alternativa ao convívio “asfixiante” com o outro. Tolice também dos idealistas ingênuos que quiseram ou querem traduzir a essência humana como o imperativo categórico da interação total e irrestrita com os “semelhantes”.

O mais belo na história de Linda e Rafael é que eles desafiam este mito. Linda, ao lado (e também ao longe) de Rafael, pode se dar o direito de ir e vir entre seu espaço de ensimesmamento e a vida em comunidade. Ela pode ficar tranquila, ao se sentir amada sem precisar ser outra coisa que não uma amiga, ou ser a maior das amantes ao vivenciar com Rafael uma tórrida amizade.

Rafael, por sua vez, aceita compartilhar das tintas de isolamento que tingem a existência de Linda. Ele não a joga fora e silencia as vozes da cultura preconceituosa que poderiam levá-lo a encarar Linda como retardada. Em vez disso, ele explora o desafio das limitações da moça, descobrindo quão sexy pode ser o esforço de acolhimento (claro que este esforço é facilitado pelo fato de Linda fazer jus ao nome) dos limites de quem se escolhe amar, com seus isolamentos e sociabilidades.

Sei lá, numa louca sociedade que aponta como únicas alternativas a ubiquidade do sexo, a da solidão ou a da sexo-solidão, o "romance-ou amizade-ou-romance" dos dois jovens confere doçura aos ditames dos relacionamentos, ditames como:
1. a obrigatoriedade de ter sempre a palavra certa, o gesto adequado
2. a obrigatoriedade de sempre estar pronto a manter o vínculo de empatia com o outro
3. a obrigatoriedade de encarar o isolamento como um atestado de que se abriu mão de momentos futuros de convivência e calor humano
4.A obrigatoriedade de encarar o interacionismo como inconteste tesouro de Pollyana
Isolamento e interacionismo são polaridades do espírito/corpo humanos e podem ser vistos com menos peso, como momentos da personalidade/história/alma humana. Momentos que podem representar ora força, ora fraqueza.

O que a relação entre Rafael e Linda mostra, a despeito dos clichês em que está enredada, é que não estamos imunes nem ao isolamento nem ao interacionismo e que os impulsos da vida e da morte fazem parte de ambas estas polaridades. O magnetismo que aproxima ou afasta os seres humanos é composto tanto da força da convivência quanto da força da solitude. No fundo, e no raso,, todos nos revezamos entre o autismo e outra coisa qualquer, que alguns preferem chamar de "normalidade".







7 de janeiro de 2014

O celular que, por amor, abriu mão do oxigênio

Fonte da imagem: Aberto Até de Madrugada.com



 Celular

Meu celular ficou pálido
Teve medo de ser atendido
E ter à disposição um bônus de meio infinito ]e não ter o direito de ter tempo a perder[
D
escobrir que não era engano o abraço que me chegava nublado pelo sol da tua voz
A tsunâmica saudade que reduzia a poeira
As ondas sonoras, orantes,
Desabituadas a vestir-se de silêncio

Sem vaga para estacionar no ciberespaço,
O espírito cedeu e se contentou em ser v
oz
Guardando segredos à céu aberto
Segredos imperdoáveis:
Vontade de te ressuscitar, de desmentir teus sepulcros

Vá embora do meu beijo
Para que eu p
osssa sentir a desmedida do retorno inesperado do teu lábio
Brotando milagrosamente de um SMS sonho mais que sonho

Afoga o som e faz entrar em erupção a pa
Lavra
Com todos os desplantes que te for capa
Z
Escrevo-te uma poesia na língua dos impossíveis
E engravido de esperança tudo que em mim era estéril
Um toque teu e a luz inefável estremece nos meus ventos
E, se o telefone emudece, recosto meus Sinais no teu peito
E tiro as sandálias dos meus beijos
Para que eles cheguem de mansinho, na ponta das asas,
Rendam-se a todos os nuances de teu corpo


1 de janeiro de 2014

2014 e o ensaio do abraço infinito

Foto: Karla Vidal


Muitos futuros incertos vieram ninar o show pirotécnico que acordou em mim
Neste Novo Ano Novo 

Antes que os fogos se tornassem verde-esperança
Um jornal me prometeu que 2014 seria o ano dos concursos
Mas, lá do Céu, um silêncio com jeito de vida eterna: grávida do Grand Canyon,
E atravessada pelo rali dos perdões,
Disse Eu te amo: amor que dispensa estágio probatório
E vem ornado de abraços não-dados,
De admiração-não-declarada, sonegada pela timidez e pelo apego a regras de etiqueta

E, de uma fuleira tentação de descrer do ser humano, o Ano Novo arranca impetuosamente
Um segredo caloroso como as asas do Espírito Santo
E, assim, os abraços não-dados não conseguem mais disfarçar
O elogio mais gostoso que o coração terreno foi capaz de ensinar aos anjos

Os abraços não-dados, serão, em 2014, somente o primeiro ensaio do amor infinito
Que não precisa ser pesado como uma Mercedes com vista para a Torre Eiffel

Mesmo a declaração de carinho que não teve e, provavelmente, não terá a chance de a ti chegar
Já conseguiu te fazer lindo e vitorioso, ao jogar fora os pódios
E segurar no colo teus sorrisos bobos, teus comentários desastrados e teus gestos
Estabanados: joias raras que enfeitam tua retidão florescida em linhas tortas

O Ano Novo traz, para ti, o orgulho, a admiração que ardem no coração do céu
Antes de sonhares, tuas conquistas já são admiradas
Porque os sonhos e as conquistas são a desculpa que aqueles que te amam
Encontram para ficar mais tempo na tua companhia

Este Ano Novo chegue a ti com flores desarrependidas

Com menos Europa e mais cafuné
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