7 de dezembro de 2013

Quem nunca roeu atire a primeira pedra: o filósofo Edmund Husserl roía ao som de Fábio Jr

Fonte: Revista Public First Class


Um dicionário me jurou de pés juntos que a expressão roedeira tinha origem no nome popular de uma epizootia (enfermidade contagiosa que ataca um número grande de animais ao mesmo tempo) do gado bovino, que determina a queda dos chifres. Roedeira é o mal-dos-chifres. Mas, ao ser incorporada, no repertório nordestino, com o significado de sofrer por amor, essa palavra não acompanhou seu sentido veterinário, pois não só aqueles que foram vítimas de uma traição conjugal (levaram chifre) têm direito a padecer de roedeira.

No universo web, já é possível encontrar teorias sobre a roedeira, dizendo, inclusive, quem deve roer, como e quando, além de ser prescrita medicação para a cura deste mal. Se bem que, de acordo com as teorias existentes, existe, assim como acontece com o colesterol, roedeira da boa e da ruim.

Minha parcela de contribuição para o avanço dos estudos científicos sobre a roedeira: roer é um momento de suspensão dos juízos ou certezas, algo comparável ao que o filósofo Edmund Husserl chama de epoché, termo que vem do grego e significa “colocar entre parênteses”.

Quem está roendo não está preocupado com dogmas, convenções e verdades institucionalizadas, a exemplo de noções de bom-gosto, etiqueta, bom-senso e razoabilidade. Mas, entenda-se que suspensão dos juízos não significa um mergulho no absurdo, mas sim um aval temporário para que o convencional e anti-convencional, o razoável e o desarrazoado, se misturem. Creio que a roedeira é ferida pelo sincretismo.

Porém, é EVIDENTE que a roedeira não abre caminho para a violência ou mesquinharia, visto que estes estão associados à premeditação. Já roer é algo ferido pelo laisse-fare/laisse passer, sem, contudo, dar à mínima para as leis de mercado. Daí, a pessoa que está roendo abrir mão de se preocupar com a complexidade e a proporção estéticas. Quem está roendo também não vai se preocupar se o cobertor que afaga suas dores é uma música de Fábio Jr ou de Chopin; ou se é um livro de Paulo Coelho ou de Machado de Assis.

A roedeira é um sarau onde os artistas se despem das convenções e se permitem vasculhar a região silenciosa onde seus sentimentos se tocam. Numa época em que a expressão cultural vem sendo encarada como um espécie de visto que permite ou não que ingressemos em terras estrangeiras – sejam estas terras países ou as próprias pessoas – a roedeira é um tipo de território neutro, algo como costumava ser a Suiça, quando a Europa estava em guerra.

No blog Qualquer Coisa de Triste, achei uma definição legal para o termo roedeira. Roedeira é o instante em que a suspeita sobre a capacidade de amar abre caminho para amar o amor. E, durante essa espécie de transe, uma doce anarquia coloca entre parênteses os poderes executivo, legislativo e judiciário.

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