26 de setembro de 2013

Oração



Hatsuhana doing penance under the Tonosawa waterfall

Fonte- Wikimedia Commons



Por Jose Luis Paredis


Que meu amor acredite em mim
E as mentiras a meu respeito não sejam maiores que a pureza guardada pelo desejo
De que ele seja feliz
Que as palavras pesarosas não tenham mais peso que a leveza guardada pra ele
No melhor coração que trago plantado em meu peito
Que após conhecer este coração, meu amor não precise mais fumar
E seus barcos joguem fora as âncoras
Que coravam de timidez suas irresistíveis bochechas com aroma de despedida e de cânfora
Que dentro dele...
Que dentro dele não tenha eu domínio
Pois, a beleza que dele me atraiu transborda a festa de independência
Cujo júbilo pode ser ouvido através das portas de seu sério olhar
Que o carinho que faço, à distância, no seu rosto lindo
Chegue preparando o terreno para o sonho que não teme ser realidade que não teme ser sonho que não teme ser realidade que não teme ser sonho que não teme...
Que minha poesia não machuque o meu amor
E que ele saiba que para mim ele é Alguém, sem nunca ser um pronome indefinido
Que os equívocos suscitados na face oculta da lua possam ser desfeitos
Pois é o amor e não a mentira que calça a lua cheia
Bordada por um não sei quê de mistério que se exibe às margens de uma clareza límpida
Que o que não conhecemos um do outro inspire o ouro a abrir mão de seu valor
Para que o abraço garimpe a preciosidade de bateres cardíacos que se encontram
Contraem-se e distraem-se sem trair-se
Que meu amor vá, mas volte
Que não zombe de mim quando eu o amar incondicionalmente
Sem quê nem porquê ou pra quê
Que seja assim: amarmo-nos sem deixar desabrigados na friagem
Os talvezes e os nãos

25 de setembro de 2013

A festa de despedida do silêncio no último verso de Ramos Rosa



Desenho de António Ramos Rosa, caneta tombo castanha em papel pergaminho com recortes - 2005 


Soube por Daniel Cisneiros que os últimos versos escritos por António Ramos Rosa, segunda-feira, pouco antes da morte deste poeta português, foram  os nomes da sua mulher, a escritora Agripina Costa Marques, e da sua filha, Maria Filipe.  Logo a seguir, inspirado por um sussurro da filha, Ramos Rosa recordou um conhecido verso de sua obra: “Estou vivo e escrevo sol” .

Ramos Rosa descreve a amizade como um arco-íris de sombra, quente e trêmulo. Como um relógio que recupera a utilidade de todas as partículas do tempo: a poesia de Rosa revela isso. É vela que se acende em intenção das almas no seu dia (segunda-feira).

Infiltrei-me no testamento de António Ramos Rosa
E dei de cara com uma flor rasa que cheirava a galáxias
As sombras tinham folhas que, quando aparadas,
Faziam o mundo girar cada vez mais rápido até se tornar uma espiral de luz

Rosa me prometeu que se na festa do silêncio, isto é, na poesia,
eu dissesse Árvore, a árvore em mim respiraria
Mas, por que a falta do do Nobre Alguém
Me torna um abraço sem ramos
Um pé de planta sem rastro?

Ramos Rosa é feito um detetive
Ele pegou um oásis em flagrante
Depois de cometer o crime de plantar um girassol no horizonte
Seria desrespeito aos ressuscitados, deixar o horizonte despossuído
Para te presentear com o girar do sol, meu Alguém: Nobre?

Mas, como diria Rosa, o horizonte treme entre os cílios de quem é amado
Então, precisarei do teu beijo, pois, ao me beijares
Teus olhos ficarão fechados
E o horizonte poderá ficar em paz e aquecido
Deitado nos braços de um céu abobadado de amor

Não sei se devo deixar minhas palavras, a exemplo das de Rosa,
Naufragando rentes ao muro
Permita-me uma dança,  Nobre
Para que com o rosto colado ao teu
Não pare eu de desafogar o Eu te amo
E serão teus lindos ouvidos um porto mais que seguro
E teus lábios o mais doce e suave risco

Um dos versos de Ramos Rosa me fez lembrar do meu tímido Alguém (que não me pertence):
"Restos de tabaco e de ternura rápida" ou "um copo de vinho de sol"
E, a melhor homenagem para Rosa é o vento, que propaga sem destino surpresas e carícias
Que as melhores surpresas e carícias do destino cheguem, com ajuda da poesia de Rosa, ao rosto da face e ao rosto da alma do Nobre.








21 de setembro de 2013

Uma ajuda de Jung para salvar o Eu te amo


Virgen de La Consolación - Patrona del Estado Táchira - Venezuela Autor: 


Hoje inventei uma memória para Jung
Para disfarçar a declaração de amor que queria ter a chance de fazer pra ti, Nobre
A memória era, mais ou menos, assim:
“A primeira vez que te encontrei, estavas de costa e antes que te virasses pra mim, pude
Ver teu rosto: tão lindo que deixou paralisados os superlativos. E soube que te amava
Antes de sermos apresentados”, disse a memória de Jung

Quando teu brinde me convidar para olhar nos teus olhos, toda a saudade
Se tornará alicerce de uma prece de amor
Da qual o beijo que guardo pra ti será um Amém capaz de silenciar os anjos
E nosso abraço convencerá o Aleluia a ser um doce grito que nasce como bônus
Na suavidade ranzinza refugiada na calada da noite do teu cabisbaixo sorriso
Peço emprestado à fé dos santos mártires um radiante futuro para teus passos-saltos-voos

Porque não sei se sou digno, mas basta uma palavra para o Eu te amo ser salvo

17 de setembro de 2013

Um passaporte para o mar

Faro de La Marina - San Cristóbal
Fonte: Skycrapercity.com



Passaporte
Jose Luis Paredis


Cheguei atrasado de propósito e não
Pude pegar meu passaporte
Rascunhei na voz embargada do meu eco [cardiograma[
Raiva de ti
Para me defender da saudade
Que a injustiça de alguns quis fazer parecer loucura
Mas, num em breve qualquer
O eco da coragem de amar
Vai chegar aos pés do teu ouvido
E confessar que a saudade passou, à toa, pelos eletrochoques
Pois o seu diagnóstico não era loucura, mas sim, cura

Nem a nicotina, nem a Coca-Cola serão párias pros meus beijos
E quando o eco de teus medos deitar com seus cabelos negros molhados
Sobre o meu peito
Dormirá banhado pelas horas vagas do meu bater cardíaco
Por um instante, sinto-me inútil,
Mas, olho o mar e não posso crer
Que o vai-vem das ondas
É inútil
O mar... Tão imponente
Mas, não resiste à vocação de se render
Aos pés de quem se deixa por ele morder
E não há superpotência
Que não queira estar à margem
Das águas infinitas de um mar
Que com o inútil vai-vem das ondas
Penteia as dores do mundo
Nuestra Señora de La Consolación,
Abençoa os mares que não precisam ser úteis, pois
Basta-lhes acariciar o rosto do meu Nobre que não me pertence
E, junto ao coral dos amantes, dizer com voz doce: "Estou contigo pro que der e vier".


13 de setembro de 2013

Poema do amor que não precisava de títulos para lembrar




 
Amor - Foto by Karla Vidal





Título:

Por Clistarco Sepúlveda


Esqueci o que ia dizer
Mas, não consigo esquecer de tua mão desembarcando na minha
Ela vem a bordo do futuro
E, antes mesmo de chegar,
Não aguentou de saudade
E, enviou em forma de pombo-correio
Um abraço e um beijo
Selados pela...

(lindeza do Nobre): relato da impagável e enorme lembrança em meu coração



Esqueci o que ia... 



Título:
... Sim, lembrei
Teu beijo desembarcando no cais extasiado do meu corpo
Inteiro que teima em tentar conter uma alma fragmentada
Ele vem a bordo do não-tempo
E chega,
Pedindo que meu abraço seja os trilhos que darão refúgio
Ao teu amor descarrilhado, que esqueceu que era barco
Antes-depois do naufrágio
Lá, onde o céu vira mar

Alguém

...(...) 


Título:



Esta postagem é irmã desta aqui

O fenômeno midiático do enternecimento constrangedor




Jason Mortensen faz cara de espanto ao descobrir que sua mulher é linda. (Foto: Reprodução)

Já falei em outro momento sobre o conceito de constrangimento enternecedor, criado pelo desenhista francês Georges Goursat para descrever como seu amigo Santos Dumont se sentia ao receber homenagens: “enternecido de constrangimento e falta de jeito, ele me pareceu como uma espécie de mártir da glória”, afirma Goursat.

O constrangimento enternecedor tem sido alvo de interesse midiático. Lembremos o rapaz oriental que se tornou viral na Internet graças a um vídeo onde convida músicos “mexicanos” para fazer a trilha sonora de fundo da cena em que pede sua noiva em casamento. Ternamente constrangida, ao vê-lo se declarando de joelhos a seus pés, a jovem toma o violão de um dos músicos e dá um Kboing na cabeça de seu doce e terno “algoz”.

Mais recentemente, um vídeo teve uma explosão viral ao retratar a história de um rapaz que, após cirurgia, perdeu temporariamente a memória. O mote do vídeo foi o espanto dele ao descobrir com quem estava casado. O jovem não acreditou que uma moça tão linda pudesse ser sua esposa.

De alguma forma, este tipo de situação que tem tido grande repercussão midiática aponta para o desejo de achar uma solução para a dificuldade contemporânea de lidar com a ternura e o constrangimento. Estes sentimentos se aproximam num imaginário coletivo onde a desconfiança extremada e o forte medo de vínculos afetivos fazem a ternura ser encarada como algo constrangedor ou risível. 

Uma certa dose de desencantamento diante dos signos de violência, propagados nas mais diversas plataformas simbólicas, também tem contribuído para se criar o mito de que a verdade do ser humano é um misto de brutalidade e indiferença. Nesta perspectiva, a ternura tende a ser interpretada como apego doentio ou como anacronismo inócuo e meramente constrangedor. 

Mas, diante do “constrangimento enternecedor” que se torna alvo da atenção pública, vê-se que na equação que aproxima ternura e constrangimento, o sinal de igualdade que aproxima estes termos não está bem resolvido consigo mesmo. Isto demonstra que a ternura não é coisa do passado e que, para recebê-la, as pessoas estão dispostas a suportar certa dosagem de constrangimento...

Esta postagem é irmã desta aqui.


10 de setembro de 2013

Alunos de Literatura produzem obra que começou como e-book e virou b-book


Fotografia original: Beta Splendens, male, orange halfmoon by Daniella Vereeken
Arte: Karla Vidal



Conheça um livro com múltiplas personalidades: fruto não de um problema, mas de uma solução mental. Versão βeta Literatura: crítica, teoria e tradução começou como e-book e agora é b-blog (book-blog): com textos abertos a intervenção e comentário dos internautas.


Os livros também podem ter múltiplas personalidades. É o caso de Versão βeta Literatura: Composta por ensaios nas áreas de crítica, teoria e tradução, a obra nasceu como um e-book lançado no primeiro semestre de 2013, coletando textos de alunos da graduação, mestrado e doutorado do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Ao completar seis meses de vida, o livro agora muda de personalidade e se torna uma obra aberta, no formato b-blog (book-blog), dando opção aos internautas de intervirem com comentários. É possível sugerir referências bibliográficas, criticar as já existentes e propor que textos sejam reescritos ou substituídos. 

Numa etapa futura, os textos, com as respectivas avaliações do público, serão devolvidos aos autores, que poderão aprimorar seus ensaios. Aí, será lançada a Versão αlfa, que trará um excerto com as melhores avaliações realizadas pelos leitores e, possivelmente, será publicado também em formato impresso. A ideia é que o leitor comum experimente como é ser um parecerista, independentemente de pertencer ao mundo acadêmico. 

Dá pra dizer que o Versão βeta contraria a formatação dada ao pensamento pela cultura do livro impresso que, assim como fez com as peças de tipografia, separou em caixinhas leitor, autor, texto e comentário. A ideia é que este e-book coloque em suspensão estas fronteiras. Nesta perspectiva, não se privilegia a obra aberta em detrimento da fechada. O que se espera é poder oscilar sem medo entre os dois territórios, usufruindo os benefícios que tanto o fechamento quanto a abertura de uma obra podem oferecer.

Onde acessar o book-blog:  http://betaversao.wordpress.com/
Onde é possível fazer o download do e-book: http://www.pgletras.com.br/publicacoes-colecao-letras-edicoes-eletronicas.htm


8 de setembro de 2013

Eu quero ficar nu ou Resposta ao poeta André Francisco Gil

Com o risco de prisão, manifestantes denunciam censura
em protesto no Recife (Foto: Lorena Aquino / G1)



Essa postagem fala sobre o direito de resposta, direito que está diretamente ligado à vedação constitucional do anonimato. Fala sobre a ignorância com relação à lei. Não fala aqui um expert, mas alguém que tem o direito de, a partir do conhecimento que constrói no convívio com os livros, os sonhos e as pessoas, dialogar com a legislação. Afinal - sem os livros, os sonhos e, principalmente, as pessoas - as leis e a terra perdem o sal e o mundo perde a luz...

Alguns têm confundido o crime de atentado violento ao pudor com o simples gesto de andar, nu, de bicicleta. E, de forma semelhante, têm confundido a vedação constitucional do anonimato com a proibição de utilizar máscaras durante manifestações.

Mas, me pergunto eu: uma pessoa que protesta sem roupas está verdadeiramente nua? Ela não está vestida de uma refinada ironia? Explico-me: o gesto de protestar despido traz implícito o questionamento do que verdadeiramente seria atentado violento ao pudor. É algo semelhante ao que ocorre numa praia de nudismo onde as pessoas nuas vestem-se do questionamento: são as roupas que fazem o respeito ao outro?

Do mesmo modo, a luta pelo direito de protestar usando máscaras reflete o questionamento do que representa o anonimato. O que é mais anônimo: rostos honestos sob máscaras ou a opressão descarada e silenciosa do assédio moral que transpira dos poros dasrelações hierárquicas no Brasil: relações estas assoladas pelos fantasmas de uma nesfasta herança colonial?

O poeta André Francisco Gil interpretou uma poesia minha como sendo um eco da voz do Satanás. Mas, isso não é de todo mal, para quem, na mesma semana foi chamado de fascista...

Creio que o suposto nojo que o eu-lírico diz sentir por Jesus Cristo, na referida poesia, é um disfarce medroso utilizado pelo poeta por não conseguir encarar o seu enorme desejo de amar. A ironia do nojo é que ele mora menos no gesto do que no coração de quem se enoja. Por este motivo, o poema faz, no final, referência, ao episódio em que Cristo cura alguém da cegueira misturando barro a sua saliva e esfregando nas vistas do cego. O mesmo cuspe que, em determinada circunstância, está associado ao escárnio, ao nojo e ao insulto, nesse caso, esteve relacionado a um milagre. 

Com isto, quero dizer que o significado é devedor não só do gesto, mas também dos corações. Assim, cem milhões de brasileiros nus atentam menos contra o pudor do que dez mil brasileiros que, praticando a corrupção numa ponta, geram a doença, a violência e a morte na outra.

O nojo (que não é nojo) é uma confissão de um coração humano que, às vezes, precisa dialogar com a vontade de culpar a Deus por seus medos e frustrações, mas não vê a hora de deixar vir à tona o grande amor que, na verdade, sente. No amor genuíno e espontâneo, o assalto da dúvida e da decepção é inevitável, cabendo a nós enfrentar esse assalto com as armas do próprio amor. Contrariamente, é de se desconfiar de um "amor" que esconde por trás de eternos gritos de Hosana nas Alturas o desejo de ver alguém (alguéns) pregado na cruz.

Eis o link da poesia que levou-me ou, melhor dizendo, levou o eu-lírico da poesia a ser chamado de Satanás: Ilustres poetas desconhecidos: O nojo (que não era nojo) que Rosa Nor sentia por Cristo

A seguir, a reprodução do comentário feito a respeito do poema contido no link uma linha acima:

Cristo eu creio no que tens de mais sagrado e bonito que sendo santo como és enoja a satanás o anjo decaído e pequeno,disforme ser insignificante que quer de qualquer maneira roubar a coroa do Rei dos Reis,que é Maior e expande resplandecentemente o amor do Pai,que é nosso Criador desde o princípio e pela qual sente inveja o príncipe das trevas,o derrotado,o enclausurado do inferno que sequer terá misericórdia,se encerrará em sua prisão funérea eternamente porque Jesus é o vencedor.André Francisco Gil,poeta e escritor.

2 de setembro de 2013

Como a queda vira ingrediente da autonomia no abraço do Aikidô

Fonte: Jornal Livre


O ideal da plena autonomia, uma das heranças do Iluminismo, assim como outras utopias passa por um momento de autoquestionamento. O “governo ou regra de si”, tradução possível para esta palavra composta por dois radicais de origem grega, ao analisar suas pegadas e imaginar seus possíveis horizontes, inevitavelmente dialoga com outras “nomias” como a heteronomia (governo do outro) e a anomia (ausência de governo). E, neste diálogo, preconceitos, opiniões e símbolos, associados a estas ideias, são ativados, reativados e desativados num movimento caracterizado por forte dose de oscilação e incoerência.

Um dos símbolos mais comuns associados ao ideal de autonomia é o imaginário da ”máquina sem homem”. A máquina que possa agir completamente por si: um tipo de exterminador do futuro ou Matrix... Esse imaginário traz como subdiretório a ideia de que o perfeito funcionamento de um mecanismo autônomo requer ausência de sentimento.

O Aikidô, que embora seja chamado de arte marcial procura banir a guerra da composição de suas impressões digitais, questiona esta visão sobre uma autonomia que reduz o indivíduo autônomo a um autômato.

O automatismo não é algo inerente às máquinas como se costuma pensar. É um projeto calcado em anseios, esperanças, medos e terrores como costumam ser os projetos humanos. Em seu ápice, o automatismo poderia ser interpretado como propriedade de uma máquina que é simultaneamente produtora e produto. Outra forma de interpretar o automatismo pleno é encarando-o como momento em que a autonomia se olha no espelho e percebe que deixou de ser autonomia para se tornar anomia.

Por meio de sua simbologia,  o Aikidô reencontra espaço para abrigar no seio da autonomia a heteronomia. Isto equivale a enfrentar a tendência de silenciar o componente de passividade que habita a autonomia como se para governar a si mesmo o ser humano precisasse ser alguém que age sem se submeter de forma alguma à ação do outro.

No Aikidô, a pessoa que aplica a técnica (uke) e a que recebe (tori) tornam-se um composto, como se fossem dois radicais que se unem para formar uma nova palavra com um sentido que remete aos significados dos radicais isolados, mas o transcende. É possível pensar o uke e o tori como radicais envolvidos numa reação química onde ambos assumem o papel de reagentes e de produtos.

O sucesso de uma técnica aplicada, no Aikidô, depende não da submissão de um “oponente” como se este fosse um tipo de matéria-prima controlada e deglutida por uma máquina “vencedora” que busca de assenhorear do produto, reduzindo o “vencido” a um tipo de dejeto. No Aikidô, a técnica é um rio que caminha em fluxo e contrafluxo. Isto quer dizer que a queda ou submissão é oferecida ao companheiro de luta como oportunidade para que ele encontre, no espaço e no tempo, uma relação harmoniosa entre seus limites e seus deslimites. A recíproca é verdadeira no que se refere a quem aplica a técnica.

Esta relação circular que o Aikidô estabelece entre o ativo e o passivo redesenha o ideal da autonomia, que deixa de ser vista como refúgio solitário de autômatos no deserto da anomia, e passa a ser a constatação de que não dá pra ser autônomo sendo somente a polaridade ativa, dominante e controladora.  Não há liberdade para um ímã refém de um só dos polos. O governo de si mesmo requer capacidade para encontrar, com auxílio do outro, a energia potencial que habita a submissão e a queda, energia esta castrada pela visão distorcida de que cair é por si mesmo um mal (quando, na verdade, cair ou estar de pé podem ser benéficos ou maléficos dependendo da maneira como se cai e como se permanece de pé ).

De acordo com este ponto de vista, ser ativo significa não derrubar o outro, mas ajudar o outro a cair e, logo em seguida, aprender com quem está no lugar de “passivo” como se reerguer, como se reativar. Esta consciência do proveito que se pode tirar do fluxo harmonioso entre queda e reerguimento pode diminuir a angústia que nos aflige quando acreditamos que para ser autônomos precisamos ser autômatos.


E, neste percurso, vale a pena rever a ideia de Maquiavel de que é melhor ser temido do que ser amado, pois quem está disposto a aprender tem mais coragem de amar e menos medo de temer.

O Aikidô foi desenvolvido por Morihei Ueshiba (1883-1969), entre 1930 e 1960 e, combinando diferentes artes marciais, substitui a tradicional lógica do ataque e contra-ataque pelo movimento circular entre os polos passivo e ativo, dissipando a agressividade e o medo ligados à ideia de que só é só é possível estar em uma dessas polaridades.

Vídeo mostra emoção de pai ao achar filho que pensava estar morto na Síria
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