10 de junho de 2013

Prevendo o futuro na tela do Playstation 5


Fonte: Uol


Playstation 5: uma prova de amor
Por Kleto Vide

Provocava-o porque o amava. Se provocares alguém obtuso, sem graça ou complexidade, desinteressantemente belo e tediosamente simpático, que recompensa terás?

Provocava-o porque me encantava o modo como este Alguém reagia, desescondendo um amor sem parcimônia pela humanidade: amor quebradiço, com lampejos de egoísmo de classe alta-média (mas qual amor não tem momentos de ser adversário [corsário] de si mesmo?) e de uma timidez que parece só encontrar no botão de rosa-lua imagem útil para traduzi-la.

Poderiam dizer que era eu um masoquista, um stalker, alma penada vigiando páginas do Face. Mas, nem tudo é a verdade e a mentira que pa(e)rece ser. Mas, em certa medida eu o perseguia, posto que os anjos que guardavam as fronteiras entre o dentro e o fora de mim assumiram a missão diplomática de ensinar os abraços daquele habitante da tierra de la Virgen de La Consolación a acharem o útero de Gaia. E, depois de gestados, esses abraços dariam à luz sorrisos capazes de vencer o cansaço de viver.

Tudo o que quero é engravidar a alma deste Nobre Alguém: engravidá-la de abraços, beijos, enternecimentos constrangedores e sonhos de Santos Dumont...

Talvez eu pudesse lui donner uma distância capaz de mantê-lo a salvo do antes e do depois de me conhecer, mas ainda estou em estado de choque desde o dia em foi me dado o dom de enxergar com nitidez telescópica naquele ser humano perto-distante uma estrela de ternura refém da hostilidade e de um não sei quê de atraente esnobismo.

Meio que não tenho vivido, tenho continuado. E tentado aprender a me desvencilhar dos efeitos do choque de ternura. Mas, é difícil terminar de assistir a guerra estelar televisionada pela camisa daquele Alguém, enquanto aguardo ansioso pelos intervalos, em que posso ver pela fresta da porta do tempo o que há em seu coração.

Até então não tinha experimentado a sensação de ser considerado uma ameaça, de estar em casa vendo Game of Thrones enquanto era tornado suspeito de cometer terríveis crimes como escrever poemas, mandar flores e conhecer detalhes do rosto de quem amava ou saber qual era a marca de seu carro. Uma coisa é certa (talvez): quando olhei fundo naqueles olhos que a gravidade atraía para o chão, senti vontade de que aquele Alguém não sentisse dor, nem medo e de que fosse feliz (não porque o achasse infeliz, mas porque queria para ele felicidade a perder de vista). Quis ser uma sala da qual ele pudesse sair e entrar sem precisar dar satisfação a chave ou porta qualquer.

Mas o que talvez fosse me levar pra prisão fosse um crime contra mim mesmo, um suicídio sem direito a último suspiro: o crime de falar sobre a vontade de ser amado. E “?como o culpado desse crime poderia ser detectado pelo sistema de câmeras da Nova Aliança?”, indagou-me o apóstolo João com o qual converso, vez por outra, sobre o Apocalipse enquanto ele não desiste de me convencer que Deus é amor.

Fiquei com medo de ser condenado a escolher entre as duas piores penas de morte: a loucura e a lucidez, isto porque talvez não haja liberdade onde não há entrelugares... Porém, uma memória socrática me tranquilizou: a de que nenhuma lucidez e nenhuma loucura permanecem sãs e salvas quando submetidas a um interrogatório sério.

Caminhando pelo corredor da vida, um sonho impossível trocou de nome antes de soprar-me o rosto: escolheu ser rebatizado como futuro e tinha por sobrenome implícito Esperança.

O futuro então me mostrou um Nobre Alguém que me ensinava todo dia a abrir as portas de casa de uma forma diferente. Ele não precisava ter receio, porque podia entrar e sair quando quisesse.

Cada vez que nos reencontrávamos, me presenteava com um ramalhete de silêncios. E, vez por outra, ele aceitava um carinho meu e me fazia feliz ver como seu olhar vencia pouco a pouco a lei da gravidade e procurava o meu.

Resolvi me acostumar com seus(suas) amantes. A mais perigosa de todas era a piscina de águas termais que ele hospedava em sua cobertura dos sonhos. Mas ela não era páreo para a saudade que este Nobre Alguém aprendia a sentir de mim. Não porque eu houvesse vencido sua autonomia, mas por haver me tornado uma ilha de destaque no oceano de seus afetos.

Este Alguém me mandava cartões postais com fotos posadas ao lado de pessoas eleitas para ser seus amores eternos, colhidos porto após porto.

Mas, quando ele ancorava no meu apartamento, meu carinho, meu apoio e meu Playstation 5 o esperavam de abraços abertos. E ele sabia que eu o amava porque só o amor para nos tornar capazes de, a cada retorno de quem amamos, inventar um Playstation avant garde: a dica veio de seu anjo da guarda, que torcia era muito para que fôssemos namorados.

De qualquer forma, o maior carinho que podia receber daquele Alguém era ver suas feridas cicatrizando e seus sorrisos aprendendo a brotar e gerando a despeita das rosas da França.

Duas ou três vezes por semana, o Nobre Alguém terminava tudo comigo porque, mais do que jogar Playstation, agradava-lhe proclamar a independência de si mesmo. Mas, o amor que eu sentia era intenso o suficiente para que eu aguentasse ser uma Espanha que trazia cravada no peito um Alguém que era uma verdadeira Catalúnia.

Não conseguiria enjoar dele porque era minha sina esperar que se despisse da raiva do mundo e, antes do apagar das luzes, tentar decifrar o segredo daquela inesperada doçura cáustica: ímã gêmeo de uma esmeralda.

E que saudade de ver aquela nuca tão linda. E que medo do Nobre amor esquecer como é o som da minha voz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...