13 de março de 2013

A conversão de Valesca Popozuda e o lugar do sexo implícito



By Gustavo Azeredo - Jornal Extra


Valesca Reis Santos poderia ser considerada uma artista do nível do pintor Arcimboldo (séc. XVI), um dos maiores representantes da estética do Grotesco, mas falha por um pequeno detalhe. 

Uma definição possível de grotesco é a do esforço artístico de abrir uma ferida na visão clássica da natureza. Quando um pepino faz uma “migração”da lavoura ou de uma salada para o rosto humano, tornando-se metáfora de um nariz (como ocorre no quadro Verão, de Arcimboldo), a analogia gerada causa um sentimento que, rapidamente, pode oscilar entre o riso, o medo e a repugnância. É na dança entre estas sensações que o grotesco se coreografa.

O palavrão é o grotesco que se torna lugar-comum e se esquece de suas origens. Assim acontece, por exemplo, com a palavra “rola” (leia-se rôla) que faz a imagem de um tipo de pássaro usurpar, metaforicamente, o lugar do órgão sexual ou do termo “ovo” (leia-se ôvo) quando se faz passar pela gônada sexual masculina. 

Somam-se, comumente, aos palavrões doses de estigmas ou traumas ancestrais. Daí, o fato de muitos palavrões serem anacronismos que invocam doenças já totalmente debeladas a exemplo da peste bubônica.
Assim acontece quando os palavrões rememoram situações que, em tempos passados, foram consideradas crimes, a exemplo da sodomia (nome que era dado ao envolvimento sexual entre homens). Daí, expressões como “tomar no cu” e “dar o fundo” serem palavrões desdobrados em locuções.

Certamente talvez, exista uma classe de palavrões que trabalhe construindo metáforas grotescas por meio da condensação de terrores que afligem a alma humana. Exemplo é o corriqueiro “Foda-se”, que, em casos extremos, evoca a mistura de solidão, “crime” e tortura.

Arcimboldo, 1573, Verão, óleo sobre tela, Louvre.
Por mais incômodas que as letras de Valesca sejam a nossos ouvidos imaculados pela herança pequeno-burguesa, a Popozuda trabalha a estratégia da ironia, buscando tornar o grotesco um tipo de crônica do quotidiano. A grande concentração de palavrões por minuto quadrado choca não por remeter a traumas, crime ou doença, mas por pretender fazer o palavrão adquirir o status de palavra corriqueira. O maior pecado do palavrão é querer, a despeito da “moral e dos bons costumes” compartilhar o espaço da palavra “pura”.

O palavrão é tímido, uma tímida expressão do grotesco que pede licença para fazer entradas pontuais na encenação da comédia humana. Nestas curtas inserções, ele chama para si todos os holofotes: tanto os de luz quanto os de sombras.

Não é o que acontece com a poética de Valesca, que converte o palavrão no próprio holofote, reduzindo o choque a um ator coadjuvante ofuscado.

O caráter irônico da nova fase da carreira de Valesca é denunciado pelo início da música Catra-Mama, no qual ela anuncia que se “converteu” e abandonou os palavrões. De algum modo, ela critica a crítica que lhe é feita: de fazer apologia ao sexo explícito. Na ironia da autora encontra-se um questionamento; onde está, atualmente, o sexo implícito para que alguém possa explicitá-lo? 

A indiferenciação entre a palavra e o palavrão pode ser analisada por outro lado: o de como as palavras comuns, vitimadas por contextualizações precárias, como a das citações facebookianas, acabam por adquirir a carga pejorativa do palavrão. 

O sentimento de inadequação entre palavra e contexto ganha enorme proporção nas redes sociais. A pressão de resumir o pensamento a cento e poucos caracteres reflete-se na tendência de tornarmos as palavras reservas de expectativa concentrada: verdadeiras minas terrestres virtuais. E, por vezes, um “ingênuo” Curtir do Face deflagra uma explosão, como se os usuários fizessem das palavras uma deixa para elegerem um alvo do linchamento-web. Talvez, o leitor já tenha experimentado a sensação de ter feito um comentário e se ver cercado por todos os lados por comentários que se juntam para reduzir o comentário e o comentador a pixels.

A poética de Valesca Popozuda chama atenção para uma mudança de paradigma em que se percebe que, muitas vezes, o palavrão ou a palavra não são tanto o problema, mas sim o modo como organizamos na equação do comunicar as fronteiras complexas entre ética, moralismo e hipocrisia.

Meu agradecimento a Renata Marques e a Thayse Medeiros que debateram comigo sobre o caráter comunicacional do fenômeno Valesca Popozuda.


Valesca Reis canta Catra-Mama

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