31 de agosto de 2012

Celebração do amor à primeira conjuntivite


Pavel Mirchuck



Impressionou-me o brilho da demão de invisibilidade que lançaste sobre mim
O brilho era intenso e dele brotou uma rachadura por onde escorria opacidade em rama
E a flor do meu olhar quase murchou quando percebi que preferias desejar Feliz Aniversário
Para o pior inimigo a me dar uma carona, mesmo que esta carona fosse em francês
Tu és mesmo um excelente pintor, pois com uma só camada de desprezo
Ensinaste meu espelho a dizer em bom e desleal Português que Je ne suis pas qu'invisibilité

Meu espelho agora pede para minha mudez se calar e para minha voz  se resumir a eco da inexistência
Acordo e agradeço aos anjos por afastarem de mim os ventos que me pedem para ressumir

Mas, mesmo assim, sigo grato e sumido e perguntando
Quando tua indiferença se desesperará e suplicará para que minha ausência larga deixe de bater à  tua porta Estreita

Meu eu invisível deu a mão a um belo rapaz ou a uma bela dama sem gênero ou categoria.
E dançamos a mais linda valsa
Já vista
De repente choveu e a tinta começou a escorrer
E me vi sorrindo
Mas somente o só era visível
A invisibilidade do "rindo" podia ser vista de longe
Sem sair do figurino, estava vestido de adeus.
?E como tolerar o Boa Noite de um homem vestido de risos e de adeus

Agora a parte clichê do poema: Sem teu rosto sério, fica tudo meio sem graça
Embora não saiba definir o tudo, o sem e menos ainda o meio
A graça não é preciso definir
Nasceu num dia 11 ou 12 de setembro ou em abril, no dia da verdade
Graça à primeira vista depois de uma conjuntivite
Eu sei que não me enxergo
E por que, mesmo assim, não aprendo a ser invisível?

Agora o fim do poema, porque um fim com interrogação é como um começo com vírgula
E, na verdade, o começo é um ponto final que arriscou a sorte na roleta
Para ver se ganhava como prêmio a chance de se tornar reticências e adiar o fim
E se eu continuar invisível a ti, empresta à minha invisibilidade, Nobre,
Um pouco da cor dos teus secretos amores
Mesmo que esta cor venha diluída
Nos teus rancores explícitos
Ou em tuas dores








30 de agosto de 2012

O Batman do Supremo Tribunal e o Super-Homem de Roberto Carlos

Ministro Joaquim Barbosa
Foto: José Cruz - Agência Brasil



Tenho pena do Super-Homem e do Batman. Mas, sentir pena é errado. O certo seria sentir dó, como quem faz da piedade uma canção parasita que suga do outro a chance de redesenhar as fronteiras de si mesmo.

O ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, foi comparado ao Batman. Não se sabe se a comparação é devida tanto ao seu empenho em condenar os acusados de participar do Mensalão quanto ao fato de sua toga negra acender no imaginário coletivo o Bat-sinal. Isto porque a cultura brasileira dá mais valor ao litoral do que ao interior; privilegia as capas em detrimento do ser humano.

As capacidades sobre-humanas dos super-heróis contrastam com sua tentativa – fadada ao fracasso – de exorcizar os traumas que conferem a aura divinal ao herói. No caso de Joaquim Barbosa, a mitificação da origem passa pela exaltação do enfrentamento de condições adversas durante sua infância e sua juventude. Ele, numa espécie de jornada épica, consegue superar as dificuldades e atingir o “improvável” topo da cadeia alimentar da sociedade: O Supremo Tribunal Federal.

É digno de menção o mérito do ministro, mas vale a pena destacar o veio de kriptonita (ou batmanita) que corre, de forma subjacente, no leito do rio dos louvores. Trabalha-se o louvor em cima de uma cruel exigência: a de que um mesmo ser humano combine em si a extrema miséria e a extrema glória. A miséria extrema é necessária para acalentar o espelho da inveja por parte daqueles que, ao se compararem com o herói, sentem-se espicaçados pela miséria.

E a glória extrema é necessária como canal de escoamento da moralidade pequeno-burguesa e falsamente cordial: idealizam-se os feitos de alguém como forma de domar algo que, de outra forma, representaria uma ameaça. Na perspectiva do poeta Augusto dos Anjos, seria algo como beijar a boca em que se escarra antes que dela saia algum insulto ou uma mordida.

Nietzsche matou Deus – ou a figura emblemática da Lei – para que o Super-Homem (ou o Além do Homem) pudesse nascer. Novidade nenhuma, pois, desde sempre a humanidade planta no ventre da terra a semente dos heróis e dos deuses, planta também a semente das cruzes em que estes serão dependurados.

E não esqueçamos que o mito do herói trabalha como um ímã, oscilando entre os polos positivo e negativo. O herói num instante é celebrado por sua inocência e, no seguinte, tem sua inocência acusada de ser lerdeza e idiotice. Sua força será fatalmente convertida em desmedida e imprudência. E sua luz mais adiante será tomada como maquiagem de suas trevas e sua arrogância.

Sim, o super-herói é um idiota sem noção como comprova Roberto Carlos em sua tese ou, melhor dizendo, em sua canção Super-Herói. Ele espera um telefonema, um curtir no Face, um sinal de fumaça de uma tribo qualquer... Isso só para ter a oportunidade de sair correndo e pôr em prática sua pretensão de salvar. Salvação que se revela um paradoxo: pois ao salvar, o super-herói se sente menos só, mas, ao mesmo tempo, anula-se.

Roberto Carlos – e o compositor da canção - afirmam que o super-herói faz de si um eterno ombro à disposição. Com isso, ele torna seu rosto invisível, pois aquele que usa o ombro alheio para chorar, não raro reduz o resto do ser do super-herói a um vulto premiado pela indiferença. A música segue dizendo que a morada do super-herói são os restos do amor que fica nos escombros... Isto quando este resto não se reduz a nada, pois a conta do desprezo não gosta de trabalhar com casas decimais, isto é, com detalhes.

A canção fala sobre as demandas que são impostas ao super-herói: estar pronto a dizer sempre sim e a ser de aço por mais ferido que se esteja, a tudo suportar e crer, como quem segue à risca a descrição que São Paulo faz do amor em sua Carta aos Coríntios.

Sim, o super-herói é um egoísta sem noção. Ele acha que pode salvar a todos. E como é possível salvar uns sem dessalvar outros? Ele acaba fazendo dos outros coitados para ter onde depositar seu transtorno obsessivo compulsivo por servir. Enquanto o véu burro da unanimidade repousa sobre ele, ele estará a salvo. Mas, quando os conflitos de interesse começam a expor as falhas de sua tentativa de agradar a todos ou de agradar totalmente a um só que seja, começam a brotar cruzes no discurso da opinião pública e da privada também. E, então, o super-herói começa a ser vítima da pressão que o empurra para a prisão domiciliar da batcaverna.

Tenho mais pena do Batman, pois o Super-Homem, por mais bobo que seja, busca o apoio do Estado e, assim, evita estar nas mãos do amor alheio que, não raro, converte o grito de Hosana em “Seja Crucificado!”.

Sim, os super-heróis cometem o crime de ser admiráveis, para o qual a pena é a pressão perpétua.


Super-Herói - Roberto Carlos

25 de agosto de 2012

Gina não pôde ser indelicada por falta de capital/Voltaire homenageou o modelo da Aveia Quaker


Zofia Burk


A Revista Época Negócios fez uma entrevista com o publicitário Ricck Lopes que, em apenas 7 dias, foi responsável por tornar Gina , a porta-voz dos palitos de dente brasileiros mais famosos do mundo, mais popular que Eva.

Se bem que Gina Indelicada está menos para Eva e mais para Lilith, a versão insubmissa da mulher que, por desafiar a gestão patriarcal de Deus, foi descartada, passando a ser tratada pelos textos canônicos judaicos como um mero rascunho de Eva. Lilith não recebeu nada pelo uso de sua imagem como inspiração para a “primeira mulher”. Preferiu-se pagar direitos autorais à costela de Adão.

Ménage a Trois no rótulo do pó compacto Promessa
È provável certamente que o Capitalismo não vai deixar Lopes ter, daqui pra frente, muitos sétimos dias para descansar...

A Constituição Federal garante o direito de se ter a imagem preservada. A imagem é considerada uma extensão da personalidade, da mediação entre os aspectos de singularidade e coletividade da pessoa humana. A imagem possui três vertentes: o retrato (aspecto visual), o atributo (predicados atribuídos socialmente), a voz (expressão sonora).

Zofia Burk é a modelo que atuou (atua?) como garota-propaganda dos palitos Gina (Sim, Zofia existe. É brasileira, descendente de poloneses). Ela não recebeu dinheiro relativo a direitos autorais sobre o uso de sua imagem. Fez a foto na década de 70 e afirma que não sabia que sua imagem apareceria na caixinha.  A Rela (nome sugestivo da fabricante dos palitos) foi astuta ao elaborar o contrato, no qual Zofia deu direito à empresa de usar por tempo indeterminado sua imagem.  

Mas não se pode dizer que ela foi burra, afinal Zofia Burk fala inglês, espanhol, francês, italiano, hebraico, alemão e mais um dialeto judeu (e, nos dias de hoje, não é preciso mais do que ser poliglota e/ou dançar até o chão, chão, chão para ser inteligente). Ela pecou mais pela inocência. Coisa que a Gina Indelicada não faria, pois é uma perspicaz discípula de Lilith e não de Eva...

Para disfarçar o rela que foi dado em Zofia, a fábrica hoje utiliza uma versão desenhada da modelo, com direito a  uma mal-fadada correção ortodôntica e a um efeito de luz que deu um ar Cepacol ao sorriso de Gina...

Gina (ou será Zofia?) bem que quis ter a chance de ser indelicada, entrando com um processo contra à produtora dos palitos. Mas, a falta de recursos a fez desistir da empreitada depois de dois anos, quando soube, por meio dos melhores advogados, que só tinha 50% de chance de ganho de causa.

Marx continua amigo de Sofia. Aquele porra! Zofia é uma proletária, expropriada do bem que a fez ser inserida na máquina do Capitalismo: sua imagem visual.

Pelas entrevistas, Zofia aparenta ser uma pessoa de bom humor e com marcante presença de espírito, mas não apareceu uma alma para fazer um mísero verbete dela na Wikipedia...

Fico pensando em todos os injustiçados que, dos túmulos localizados no cemitério Vintage, clamam pelo direito de ganhar uma versão Indelicada, como aconteceu com Gina...

Fico pensando nas moças do sabonete Alma de Flores, da Seiva de Alfazema e na moça do Leite Moça que, ou está biliardária ou é alguém cuja escravidão é escamoteada pela corveia do anonimato. Dizem que ela foi obrigada a servir de modelo para a terrível Barbie Leite Moça...

E penso ainda no rapaz e nas duas moças figurados, em um tipo de ménage a trois, na embalagem do pó compacto Promessa. Nunca receberam sequer um convite para posar nas revistas Play e, relegados ao esquecimento, têm direito só a um mísero retorno no Google Imagens. Ah, não posso esquecer do bom e velho garoto propaganda da aveia Quaker. Se bem que, pelo menos ele ganhou um verbete em sua homenagem, escrito nada mais nada menos que por Voltaire...

Barbie Leite Moça
No moribundo Orkut, as comunidades se dividiam entre Amo Gina e Tenho medo de Gina, o que prova que a lógica do Capitalismo não deixa descansar em paz o questionamento de Maquiavel: É melhor ser amado ou temido? De qualquer forma, eu, sendo um garoto-propaganda de rótulo, ficaria indelicado ao me ver estampado com um sorriso aterrador tipo It, de Stephen King...

Gostaria de perguntar a Gina Indelicada o que ela pensa a respeito de seus companheiros cuja imagem tem sido indevidamente explorada pelos capitalistas. Gostaria de perguntar também se ela não tem medo que seu criador seja vítima de semelhante exploração.

Quem sabe agora que a indústria dos produtos Gina vai ter suas ações mais valorizadas que as do Face, ela crie vergonha e pague a Zofia os direitos devidos pelo uso de sua face. Nisso tudo, o que me deixou mais impressionado foi saber que os palitos Gina, em algum lugar do passado, vinham, um a um, dentro de uma embalagem plástica... Pra quê?

A seguir, imagens de Zofia:





24 de agosto de 2012

Estranhas provas de amor de São José, Salvador Dali e da adolescente octogenária que “restaurou” um quadro de Cristo

Dali e Gala



Uma das versões apócrifas dos evangelhos conta a história de Verônica que, desafiando o bloqueio dos soldados romanos, corre ao encontro de Cristo, durante a via-crúcis, e enxuga seu rosto. Como recompensa, Jesus deixou de lembrança o rosto dele, gravado na toalha.

Recentemente, uma inusitada “encarnação” de Verônica resolveu “repetir” o gesto limpar as feridas do rosto de Cristo. Refiro-me a uma adolescente de 80 anos que, compadecida diante dos danos causados pelo tempo na obra do pintor Elías García Martínez (século XIX), decidiu restaurá-la sem pedir permissão.

Por sarcasmo do destino, a pintura, chamada Ecce Homo, após a transfiguração promovida pela octogenária, ficou irreconhecível, de um modo que faria até mesmo Nietzsche reconsiderar o título de seu livro homônimo.  O quadro restaurado poderia, tranquilamente, passar a ser chamada de Ecce Homo: Não pode ser!!!.

Talvez certamente o gesto da fiel castelã tenha se inspirado em outras estranhas provas de amor, como a que o rei Davi pôs em prática por amor a Mical, filha de Saul (pior inimigo dele). Saul não queira o casamento e disse que Davi só poderia se casar com a garota depois de trazer 100 prepúcios de filisteus. Davi trouxe o dobro de prepúcios...

Fonte: Diário de Pernambuco
Salvador Dali também se ofereceu para enxugar os danos do tempo no rosto de Gala. Estranhamente provou seu amor, criando um alfabeto secreto, por meio do qual suas palavras só fizessem sentido para sua amada. O pintor compôs seus daligramas com tinta e ouro e proclamou: “Se vou criar um monograma, é melhor que tenha um significado!”

Reza a lenda que quando Gala tinha rejeitado Dali de todas as maneiras possíveis e imagináveis, ele arriscou uma cartada final e se declarou publicamente, ostentando uma melancia pendurada no pescoço. Gala foi, então, vencida pelo cansaço e se permitiu amar.

Pensemos em Grace Kelly que deixou seu reino (Hollywood) pelo insignificante principado de Mônaco... Mentira: ela trocou todos os reinos do mundo pelo amor ao homem que se escondia por trás do rei que fez dela rainha.

Pensemos em Wallis Simpson, que inaugurou uma estranha prova de amor: o divórcio...  E, como é sabido por quem bem sabe, as provas de amor estranhas não vêm desacompanhadas de escândalo, boa intenção e uma considerável dose de inferno.

Recentemente, um jovem chinês teve a estranha ideia de se enviar para a namorada pelo correio. Devido ao atraso da entrega do mala, ele quase morreu sufocado. Ele disse não ter conseguido furar o papelão por ser muito grosso. Não gritou por socorro para não estragar a supresa. Está a salvo, mas quando foi resgatado, estava desacordado.

Um pouco menos recentemente, assisti a uma outra estranha prova de amor. Foi uma reportagem sobre uma mãe que abandonou a casa e foi morar junto com o filho, viciado em craque, para que ele não enfrentasse sozinho as agruras da vida debaixo do viaduto.

Há ainda a estranha prova de amor das donzelas shakespereanas, como aquela de O Mercador de Veneza, que se traveste de homem para poder atuar como advogado de defesa de seu amado.

Fonte: SurgiuEntretenimento
Antes que este texto vire uma lista interminável, não posso deixar de mencionar uma das mais estranhas e tocantes provas de amor: a de São José. Foi uma prova de amor em dose dupla. Primeiramente, ele, remando contra sua época, não denunciou o suposto adultério de Maria, quando ela surgiu grávida ainda estando virgem.  Evitou assim que sua amada fosse apedrejada. A seguir, ele é avisado em sonho que Maria estava grávida por obra do Espírito. E prova novamente seu amor, assumindo a paternidade de Cristo.

Daligramas utilizados como estampa 
de bolsa feminina da marca Lancel


A octogenária que quis provar seu amor, restaurando o rosto de Cristo, terminou por desfigurá-lo para sempre... Ou certamente talvez, a manobra da “restauradora” tenha contribuído para fazer de corações espalhados pelo mundo releituras da toalha de Verônica, onde o rosto de Jesus está sendo gravado com tintas de humor. Tornado invisível, o rosto do Cristo se tornou ainda mais marcante: Eis o Homem!




Os daligramas

23 de agosto de 2012

Ilustres poetas desconhecidos: A oração incendiada de Linav Koriander


Infinite dreams - by Mehmet Ozgur


Insenso
Um texto de Linav Koriander (1953)


Cheguei atrasado ao encontro que havia marcado para te encontrar por acaso
Desde então, amargo a noite, procurando nos fantasmas que abraço
A queda que teu corpo me sugere
Acendi um cigarro que nem chegou a sair da carteira
Para tentar que chegasse ao Alto uma oração incendiada
Respirei fundo e via o insensato incenso caindo incessantemente

A fumaça ignorou por completo a gravidade
E tragou despudoradamente o toque dos fantasmas, da noite amarga
Amada até os dentes
Noite descarrilada que não consegue tirar de seu encalço a memória das dormentes
E, se a demência me desmente,
Teima minha fria razão em esperar na esquina por teu gesto ardente

Fiz um sinal para que teu cansaço tivesse coragem de partir
Se

E teus acordares deitassem no adeus à dor
E que o leito desta despedida me atendesse e coincidisse durante um minuto de para sempre
Com meus braços abertos ao teu reerguimento que é meu
Minha senha de acesso para a saída da estação-fantasma
Onde pudesse pegar um trem rumo à festa surpresa
Para comemorar a reabilitação da eternidade
Antes de ela ser tragada
Pelo vício do tempo em se dar de presente, de passado e de futuro
Em se dar a nós para mostrar que não nos pertence.


Jornalismo e o ato de fingir a verdade

La valse -  CAMILLE CLAUDEL





Como diria Albert Camus, citado por Boris, meu professor d"Aliance Française, citado por mim, é possível almejar a verdade e, mesmo assim, ter opinião.

Realmente, é possível ter opinião, desde que se tenha, de algum modo, a atenção dos outros. Alguma verdade nascerá das terras cultivadas pela atenção, por mais impenetrável que pareça o véu da mentira.

A exemplo de todo sentimento que parece existir por si só, a verdade, recitando Nietzsche, é um pacto, um contrato entre partes e, como tal, pode ser forjado segundo diferentes parâmetros.

Certamente talvez, o mais comum dos pactos da verdade é criado quando se oferece em sacrifício o silêncio de alguém ou alguéns  nos altares da conveniência, mais conhecida como unanimidade.

A verdade anda meio tímida, pois, nos tempos de agora, atenção e opinião são especiarias plantadas não no solo das Índias, mas sim no Cabo das Tormentas.

Prestar atenção dói porque quem presta atenção pode achar que está depositando a própria alma nas mãos de um agiota que executa a dívida antes de emprestar o dinheiro.

As pessoas discutem a verdade do jornalismo com base no tempo. A TV é mais veloz na produção da notícia e, por isso, seria menos rigorosa na apuração e, consequentemente, mais falsa. Se esse critério fosse verdade, a maior fonte de verdade seriam as obras de arte, que, tantas vezes, gastam anos de profunda reflexão para tazer sua verdade à luz do dia.  Se esse critério fosse verdade, uma valsa bem dançada seria mais verdadeira que qualquer texto jornalístico.

O texto jornalístico é um fingimento, na falta e no excesso. Quando o jornalista tem pouco tempo e pouco espaço, sua mentira (Ops, sua matéria!) aparece como tentativa de administrar a pressão e a asfixia. Quando o jornalista tem tempo e espaço de sobra, seu texto se torna uma tentativa de reerguer a República de Platão, mundo daqueles que, por meio da mente, tentam governar o mundo, fazendo dele reflexo de ideais imutáveis.

Se o jornalismo bebe do mundo das ideias imutáveis (incluindo a ideia de que vivemos num mundo inevitavelmente ferido por valores descartáveis e pela indiferença fútil) e ignora as sombras que habitam o fundo da caverna da opinião (pública ou privada), a verdade dos “fatos” não passa de de uma descarga de comodismo e neurose, embalados à vácuo pela precipitação e pela burrice.

Como dirá Habermas, o mais próximo da verdade que se pode chegar é plantar o diálogo sincero, procurando aliar opinião e atenção. E sinceridade aqui não se trata de uma fórmula piegas. Trata-se do esforço de perceber a luz das sombras escondidas em baixo do trono das falsas verdades que, tingidas de claridade oca, insistem em ser, ao mesmo tempo, únicas e plenas.

18 de agosto de 2012

Como escapar da grandeza do amor


Fonte: Zazzle




Para escapar da grandura do amor

Um texto de Rosa Nor


Me explique José, Jesus ou Maria
O que vou fazer ou onde guardar
Com amor tão grande que?
Onde me guardo para escapar
Da vontade maníaca de ser achado por ele?
Por eles: pelo amor e pelos quês.
Deus cumpre suas promessas
Mesmo que seus efeitos durem somente três minutos
Porque o ministério público de Nêmesis julgou inconstitucional
Gozar por mais de três minutos
Da paixão, morte e ressurreição que
Dão corda ao amor tão grande que
Trouxe Jesus comigo para a cama
E pedi que ele não me
Deixasse só enquanto eu
Luxuriava com homens, mulheres,
Com minhas parcas glórias, minhas porcarias
E com a solitude
E Jesus aceitou
O que vou fazer ou onde resguardar
Com esse amor tão grande que?
Me vi num espelho que se apaixonava por mim
E tive vontade de ir embora sem levar o reflexo
E o que ia fazer com o nojo, a revolta e
Como me guardar desta roupa, desta verdade deslavada
Que estava lá
Sugando perante meus olhos meu vazio irreflexível?
O que fazer e onde guardar com esse amor tão grande que
Com esse interrogatório sem começo que
Sem que nem por quê?
Não para de terminar
? Prà que


13 de agosto de 2012

Batman, o cavaleiro das trevas, os sans-culottes de Gotham City e o fantasma hitlerista





Um dos cartazes de Batman, o cavaleiro das trevas, ressurge



Batman, o Cavaleiro das Trevas, ressurge é um filme cansativo: duplamente. O primeiro terço do filme é enfadonho como uma ladainha que capricha na monotonia e deixa a audiência sem ter quem rogue por ela. O filme peca mortalmente na caracterização da Mulher-Gato, que inevitavelmente comparamos com a leitura feita por Tim Burton e imortalizada pela interpretação de Michelle Pfeiffer. Anne Hathaway tentou ao máximo, mas não teria como emprestar mais profundidade a uma personagem concebida para ser rasa, sem o apelo confessional que contribui para o encanto dos vilões da narrativa de Batman.

Entre as mulheres-gato mais cativantes estiveram uma aeromoça desmemoriada e uma prostituta (ambas pertencentes ao universo dos quadrinhos). Elas encantam pelo contraste entre o charme e o cinismo da superfície e o convite ao desespero feito à medida que escavamos as camadas arqueológicas da personagem. Parece ter sido uma sina das mulheres-gato d.Pf (depois de Pfeifer) não convencerem. Com destaque para a aterrorizante versão protagonizada por Halle Berry, que portava um elmo com orelhas de Mickey Mouse e fez o filme da Mulher-Gato figurar no pódio dos piores do mundo, tendo conquistado medalha de bronze.

Uma Gotham City corrupta, violenta e causticante – Sim, e daí?

Um Bruce Wayne desiludido, deprimido e vivendo de forma reclusa na companhia da solidão e do vil metal – Sim, e daí? (perguntamo-nos Chiquinha [del Chavo] e Jo).

Até aí nenhuma novidade.

Mas, felizmente o filme começou a fazer jus ao arquétipo que o rege: o da ressurreição.

A partir do segundo terço, quando os mistérios dolorosos começam a entrar em cena, a história torna-se surpreendente e oferece algo que tem se tornado cada vez mais raro nas narrativas sequenciais: a chance de vermos as pontas soltas da história irem sendo amarradas sem que tenhamos aquela sensação de que o filme vai perdendo o fôlego.  A partir de um certo momento, o filme se recusa a sair do momento de clímax.

Mas, mesmo assim, a sensação que mais marcou os dois terços restantes foi a de cansaço. Não mais um cansaço vindo do enfado, mas um cansaço vindo do jogo feito pelo roteiro, que exige de nós constantemente a decisão entre abandonar a esperança ou procurar uma forma de mantê-la em meio ao cenário de um apocalipse que corre contra o relógio-bomba para se instalar.

Gotham City é convertida numa releitura dos ciclos do inferno. Na verdade, é como se tais ciclos fizessem da cidade um palco onde rivalizam por um lugar ao sol. E o inferno, na parte final da trilogia do Homem-Morcego, o apocalipse é concebido como uma mistura de revolução francesa com teoria da desobediência civil – de Henry David Thoreau - e com pitadas de Bolo'bolo, uma ficção do escritor suíço P.M a respeito de uma sociedade que destrói o sistema capitalista, substituindo-a por feudos regidos pela lógica do anarquismo. Tudo isso regado a ecos da distopia.

As referências à revolução francesa, por exemplo, são feitas com uma inteligente dose de ironia ao colocar no lugar dos sans-culottes e dos jacobinos os maníacos e psicopatas libertados da prisão de segurança máxima de Gotham.  Prefiro pensar que estas referências são regidas pela ironia, pois, caso contrário, o filme representaria uma tentativa de transformar Batman num contrarrevolucionário com a missão de purgar Gotham City da ameaça anarquista. Isso jogaria por terra o criativo esforço de tornar o personagem uma alegoria que, com as bênçãos de Milton, congrega, de forma instigante e contraditória, os imaginários de Lúcifer (o anjo caído) e de Cristo ressuscitado.

Batman sintetiza o impasse vivido pelo imaginário contemporâneo entre apostar no poder da utopia de projetar vida nova no que está sob ameaça de morte (um investimento de longo prazo, à custa de sacrifício, paciência e disciplina) ou apostar na distopia com seu apelo de higienização, de extermínio como "ferramenta" para “limpar o terreno” para o “novo”. 

Não só Batman, como muitas narrativas de super-herói contemporâneas, alertam para o fato de que o hediondo fantasma de Hitler não está tão morto e que continua a seduzir muitos com o “charme” do imediatismo armado e o discurso fajuto de edificar a “normalidade” sobre os escombros das alternativas asfixiadas.

O cansaço dos dois terços finais do filme se dá quando quem assiste percebe como é cansativo e amargo beber da taça da utopia num mundo em que parece mais rentável e garantido plantar cruzes do que carregar o peso da esperança incerta, que se confronta toda manhã com aquela sensação de azia que, depois do primeiro bocejo, olha ao derredor e clama desconsolodamente: “O que fiz para merecer isso?”. Batman descobre, ao longo do enredo, que não há como ter esperança impunemente.

E o pior é saber que há partidários da distopia que insistem em colocar em Batman a culpa por não conseguirem ninar sua pulsão de morte e partirem para os cinemas da vida a fim de crucificar desavisados com a imediatez de tiros de pistola semi-automática.

8 de agosto de 2012

O beijo na boca de Tereza D’Ávila e o sentido da vocação

O êxtase de Santa Tereza d'Àvila - Gian Lorenzo Bernini(1598-1680)



Aos amigos Loyo (Wanessa) e Neiva (Saulo), que me apresentaram o texto de Eliane Brum



Reza a lenda que Santa Tereza D’Ávila certa ocasião precisou dos serviços de um especialista em construção. Este não se fez de rogado e desafiou-a: “Só faço a obra que o convento necessita se me deres um beijo na boca”. E D’Ávila não hesitou e beijou um dos beijos mais íntegros da história humana. Tereza se entregara tão inteiramente a Cristo que sabia que eram os lábios dele a beijar aquele homem. E, quando Cristo beija, nossos lábios são meros apêndices do ardor da vida. Era tão forte a vocação de Tereza, que achou uma forma de fazer da “traição” um grande gesto de lealdade.

A psicóloga Debora quando não está em missão, pela organização Médicos Sem Fronteiras, passa alguns dias de folga no Espírito Santo, onde redescobre como é comer, dormir e tomar banho quando tem vontade. O restante do tempo, ela lida com dores de pessoas que, de tão vitimadas pela vida, confundem os gritos com o chamado de uma vocação para cair nos cárceres da liberdade. Depois de perderem tudo e descobrirem que o risco da perda mesmo assim continua, estas pessoas, com ajuda de Debora, conseguem ouvir o chamado de uma forma minimamente mais suave. A vocação de Debora não está na grandeza do sagrado, mas no elogio ao profano. Debora ajuda, por exemplo, mulheres da África a esquecerem a sacralitude da vida dos parentes que perderam, dos seus corpos que sofreram o estupro dezenas de vezes.

Se estes bens fossem o tempo inteiro considerados sagrados, estas mulheres enlouqueceriam. Elas precisam, mesmo que por poucos instantes, aprender a dessacralizá-los, esquecê-los: precisam mandar o sagrado se danar e se entregar à memória das danças que dançavam quando a vida ainda ensaiava o ritmo da paz. Debora tem a vocação de fazer as vítimas dos piores tipos de catástrofe permitirem que suas dores sejam profanadas por migalhas de chama de alegria forjadas do que não sobrou.

Ano passado – ou retrasado – foi divulgada internacionalmente a mais valiosa vaga de emprego do mundo. Um salário de dezenas de milhares de dólares para se trabalhar durante pouco tempo num lugar paradisíaco. Desconfiado da engrenagem dessa esmola, fui sondar a notícia mais a fundo. Descubro que o “paraíso” é uma ilha australiana, que traz em suas águas cristalinas crocodilos king-size, trincheiras de corais afiadíssimos, além de águas vivas capazes de nos perder dentro de seus abraços. Houve uma pessoa que topou o “trampo de férias”. Percebi, então, que até para amansar a vida é preciso se ter vocação... Mais do que se ter dinheiro...

Quando lançou as bases para a Reforma Protestante, Martinho Lutero fez uma reconstituição do significado da palavra vocação, que deixou de ser encarada como restrita ao chamado para a vida religiosa e passou a abrigar o sentido de chamado para as atividades da vida “profana”, a exemplo do trabalho.

Esta identidade dividida entre sagrado e profano acompanha o chamado vocacional. Uma das hipóteses sobre a origem da palavra vocação refere-se à história do profeta Samuel. Nela, logo se percebe que a vocação não é sinônimo de mergulho incontornável no sonho. Samuel, como relata a Bíblia, teve o sono perturbado insistentemente por Deus até compreender que deveria aceitar o convite (ou a intimação) para ser mensageiro dos planos divinos.

Já o profeta Jeremias quis várias vezes abrir mão de tudo, até mesmo de comer, tamanho o desânimo em dar continuidade ao caminho inaugurado pelo chamado vocacional. Diante das desilusões, perseguições e falta de recompensa, ele lembrava como a vocação significava um tipo de deslealdade praticada por Deus que, com seu rosto e voz invisíveis, seduz inapelavelmente os seres humanos a se deixarem seduzir pelo beijo mais doce de descaminhos que antes de beijar deram uma boa golada em alguma taça amarga.

Engana-se quem pensa que a principal razão de ser da vocação é o nosso encontro com o que há de mais eu em nós. Neste caso, não seria bem vocação, mas sim conformismo. Quando acho que meu eu foi plenamente colonizado, resumo-me a ensaiar a caligrafia da hipocrisia nas beiras comidas de um epitáfio rascunhado.

A vocação diz desrespeito ao eu. Tudo o que eu não espero e o que eu desespero dá o tom do chamado vocacional. E, por mais dura que pareça a realidade, o prazer da vocação só se revela com efeito retardado, como a agradável surpresa de uma visita inesperada. E este prazer, como praticamente sempre, traz mais demandas para o dono da casa do que para o vampiro visitante.

Há quem diga que o vocacionado tem de conviver com o eterno adiamento do eu, isto é, com o sacrifício. A vocação é um dia de chuva nublado pelo sol. Chego a pensar que a vocação é me reconhecer num espelho que me desconhece


Conheça a fundo a história da psicóloga Debora, na coluna da jornalista Eliane Brum.


Vocação - Padre Zezinho

3 de agosto de 2012

O aeroporto que pediu passagem para fotografar o sol




Miró ao nascer do sol - by Mário Sérgio Teixeira de Freitas




O sol esperou ser fotografado por Alguém para poder nascer
E a foto foi revelada no laboratório dos céus de Barcelona

Para fixar a imagem foi utilizada uma mistura de sentimentos contraditórios,
Humanos como o dos anjos que se esquecem de suas granadas na Espanha
Para que a explosão se lembre de falhar,
(A menos que seja a explosão de luzes da aurora boreal catalã

E los Angeles trocam o olé pelo respeito à vida dos touros
E utilizam as tintas da França Ártica para sua escrita de luz
Colhida do sonho de um aeroporto desabrigado que pediu guarita
Num coração trilíngue e silencioso e inflexível e feito da voz de muitas águas divididas
Entre o hemisfério da doçura feroz e o da delicada amargura

Mas quem sou para analisar tal’imagem
Nesse processo, fui somente o negativo da foto
Onde um desalento mouro se esforça para revelar o amor
Que luta para atravessar o estreito ibérico da saudade
E que pede licença ao carinho primeiro para esperar pelo abraço único.

1 de agosto de 2012

O lugar do impoçível numa fatia de gota d'água

Charlie Riedel (em Olho Mágico/UOL)



Trecho de carta expressando o desejo de fazer as pazes
Por Aida Lejos (1938 e ss.)

Sab...ia
eu
q'sou a nesga de uma gota d’água
Nesse enxame de fogo que se chama possível

A maior parte do território da gota d’água
É um oceano de impossibilidade compactada
Que não tira meu nome de seus lábios
Assim como as ondas não tiram dos seus o nome do trovão
Que usurpou o nome do estrondo do terremoto
Que imita o suspiro do escapamento de uma biga puxada por
Sem mil corcéis, todos invisíveis

Só minha ambição pequena   -
Em cuja alma cabem os buracos negros
Que se escondem nos núcleos explodidos dos á-
tomos –
Para desejar que o impossível que habita tua gota d’água
Vire deserto
E, assim,
O que sobra
tenha o desejo de não so...çobrar
E falar comigo de novo
Antes que as ondas de silêncio do amar evaporem  .:.
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