31 de maio de 2012

O Jantar dos Cuzões e o ciclo do engano no cinema francês


Da eesquerda para a direita, Pignon e Brochan, personagens principais de Le dîner de Cons


Le dîner de Cons é uma adaptação para o cinema de peça teatral homônima. O filme foi escrito e dirigido por Francis Weber, que também é autor da versão da comédia levada aos palcos. É um filme que confirma o gosto francês por histórias de amizade - a exemplo de Mon meilleur ami, de Patrice Laconte. São amizades que florescem após um ciclo em que um enganador expõe um enganado ao ridículo e termina se dando conta de que, ao fazer isso, perdeu a chance de ter um grande amigo. 

Porém, um tipo de mão redentora invisível, comum nos folhetins do século XIX, entra em cena e faz o enganador perceber que só fez enganar a si mesmo. Após perceber a grandeza da alma do enganado, tornando-se amigo dele, o enganador redimido tem revelado o seu heroísmo, encoberto até então pela arrogância.

O ciclo do engano, em Le dîner de Cons, é protagonizado pelo ator Jacques Villeret, que interpreta brilhantemente François Pignon (o enganado) e pelo ator Thierry Lhermitte, no papel de Pierre Brochan (o enganador).

O ponto de partida da história é o hábito que Brochan e outros amigos ricos têm de, com certa frequência, organizar jantares chamados “jantares de bestas”, se quisermos suavizar a tradução da palavra francesa “con”, que se aproxima da palavra inglesa “pussy”, resultando em Português em algo do tipo “cuzão”.

O objetivo desses jantares é que cada rico ocioso vá acompanhado de alguém que considera um “cuzão” para, durante a ocasião, incitar o “besta” a dar mostras de seu status de loser. A mesa de refeições torna-se uma versão metafórica em miniatura do coliseu romano, na qual os anfitriões têm direito a pão e circo e os convidados seguem vendados em direção ao riso devorador dos leões. 

Ao fim, o "gladiador" vencedor é, contraditoriamente, o que consegue ser mais loser. O prêmio do loser é a revelação “piedosa” de que ele “é” um projeto falido de ser humano, sem ter, até então, se apercebido disso.

O filme aproxima-se de um dos formatos mais refinados da comédia, aquele que busca matéria-prima na tensão entre crueldade e engano, tensão esta mediada por Nêmesis, deusa grega da correção de excessos. Nêmesis é uma deusa misteriosa que só aparece de vez em quando para corrigir os excessos tanto da fartura quanto da miséria.  

Em Le dîner de cons, os ajustes de Nêmesis são, talvez, a principal fonte do humor. O ridículo ao qual Brochan expõe Pignon acaba tornando-se uma armadilha para o próprio Brochan.

O ajuste de contas de Nêmesis começa pouco antes de Pignon chegar á casa de Brochan para o jantar. Brochan dá um jeito na coluna e fica com seus movimentos limitados. Em seguida, chega Pignon e começa a mostrar a Brochan fotos do que considera seu maior talento: construir esculturas com palitos de fósforo.  Isto, que para Pignon é motivo de orgulho quixotesco, para Brochan é prova cabal de quão Pignon é cuzão.  

Brochan interiormente se vangloriava de sua habilidade como caçador de talentos, acreditando ter achado o maior campeão da besteira. A alegria logo acaba, quando ele recebe um telefonema de sua esposa, dizendo que irá deixá-lo. Isso porque ele não quis abrir mão de participar do frívolo jantar dos cuzões.  O telefonema, ironicamente, acontece pouco depois que Pignon conta a ele que tinha sido abandonado pela esposa, que o trocara por um de seus amigos.

Querendo reaproximar-se da esposa,  Brochan termina aceitando a oferta de ajuda de Pignon para encontrá-la e convencê-la a voltar pra casa. Dessa forma, entra no ciclo de ajuste de contas de Nêmesis. Ajuste que conta com apoio de Momo, deus da comédia na mitologia grega.

Brochan de enganador torna-se enganado. A enganadora é Nêmesis, que executa sua performance no palco da ingenuidade de Pignon.

É interessante como o filme trabalha, de forma leve, porém contundente, a relação entre amizade, conflito e engano. Mas Dîner de cons é também um filme sobre as ilusões de óptica.

Brochan se enxerga um grande escritor, mas depois terá de lidar com o fantasma de ser um editor medíocre, que sonega impostos. Pignon não se enxerga. Mas, quando as circunstâncias o obrigam a cair em si, ele não se desespera e toma uma atitude surpreendente. Les actions de Pignon démontrent une convicition de que la vie et l'amour n'ont pas honte dans ses veines, de que la honte est seulmant  résultat d'une malhonnête transfusion que a eté fait pour l'homme e de laquelle la vie et l'amour sont victimes.

O filme inova ao mostrar que ser besta não é mera falta de noção, podendo exprimir o desejo  de não perder tempo tentando blindar-se com a armadura da superioridade, da razoabilidade e do comedimento  e se esquecer de ser o prazer da liberdade que, de quando em vez, o ridículo pode oferecer. Por este motivo, Pignon dirá a certa altura do filme que é besta porque ser inteligente e perspicaz, o tempo todo, cansa demais.



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