7 de fevereiro de 2012

Charles Dickens, Sarah Sheeva e o fenômeno do Stand-up Tragedy-Comedy

Charles Dickens


Charles Dickens dedicou os últimos anos de sua vida à transmissão ao vivo de seus romances. O escritor inglês transformou a leitura pública de livros, comum entre familiares e em pequenos grupos, em espetáculo.

Esta atividade revelou que Dickens, além de grande escritor, era também um talentoso ator, fazendo, facilmente, a audiência oscilar entre as lágrimas e o riso. Sozinho em cena, o autor de Oliver Twist foi um grande precursor do fenômeno contemporâneo do Stand-up comedy. Se bem que, no caso de Dickens, ele era ao mesmo tempo um Stand-up comedy e um Stand-up tragedy.

Não foi só neste setor que o escritor revelou seu pioneirismo. Ele também é considerado um dos responsáveis pelo lançamento do romance de tipo policial e uma das primeiras celebridades a se divorciar, em plena atmosfera de ranço conservador da era vitoriana. Dickens ficou conhecido por sua lucidez. Ele conseguia reunir, em suas obras, crítica social e entretenimento, não se deixando controlar por nenhuma tendência literária em particular. 

O romance ao vivo fez Charles Dickens experimentar a sensação de se deixar levar pelos descaminhos da emoção. Embora, haja os que digam que a entrega de Dickens ao mundo do espetáculo é decorrente do fato de ele ter se apaixonado pela atriz inglesa Ellen Ternan. Charles e Ellen ficaram, informalmente, juntos até a morte dele. Depois disso, ela se casou com um reverendo, sem revelar nada de seu passado.

Dickens deixou-se arrebatar de tal forma pela atividade do Stand-up romance, que se chega a apontar o esforço desprendido durante os espetáculos como causa do colapso que o levaria à morte, com apenas 58 anos.

O escritor inglês tem algo em comum com a missionária Sarah Sheeva. Ambos investem grandes quantidades de energia emocional e psíquica para arrancar a palavra escrita de sua introspecção. A filha de Baby Consuelo (do Brasil), por meio do que ela chama de culto das princesas, rompe o silêncio monástico da escrita bíblica, conferindo-lhe uma sonoridade dramática banhada no destemor de Dickens de oscilar entre comédia e tragédia. Neste tipo de culto, a missionária insere a Bíblia no ambiente do espetáculo, fazendo, em certa medida, o que Dickens faz com seus livros.

Talvez Sarah Sheeva vá um pouco além. O modo como ela associa metáforas bíblicas, experiência pessoal e imagens literárias para exprimir sua crença (ou defender sua tese) (ou compor seu romance) revela a ousadia de uma obra que oscila entre o calor da loucura e a frieza do cálculo racional. E ela transita entre loucura e lucidez por meio da fronteira representada pelo humor.

Culto das princesas
Durante uma entrevista, Sarah Sheeva foi perguntada, com desdém, sobre como era a voz de Deus, que ela dizia ter ouvido. Ela responde, com uma lucidez/loucura comparável a de Saussure, que não teria como descrever em termos racionais a voz de Deus, pois era algo que ela ouvia fora de si como um alto-falante que não emite sons e dentro de si como um silêncio que fala. Ora, consciente ou inconscientemente, Sheeva descreveu a voz divina como uma espécie de imagem acústica, próxima da definição de Saussure de significante linguístico.

Dickens faz de sua obra uma destemida articulação entre traumas passados, contexto social e certa dose de messianismo, tornando confusas as fronteiras entre o livro e o palco; entre leitor e audiência. Sarah Sheeva fará algo semelhante. Porém, no caso dela, a dose de messianismo aumenta drasticamente. Ela se torna, assim, uma espécie de Stand-up Tragi-Comedy-Prophecy.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...