28 de janeiro de 2012

Alzira Reis e o parentesco entre as homenagens e as autópsias



Esta é Alzira Reis


Alzira Reis é natural de Lagoa dos Gatos, no estado de Pernambuco. Viveu sua vida inteira nessa cidade (que só adquiriu status de município em 1897), onde veio a falecer na década de 1920. O que se sabe sobre ela é que se casou após os trinta anos e antes dos quarenta se tornou viúva. Depois disso, dedicou-se aos cuidados da família resumida a um filho, cujo paradeiro é desconhecido. Enquanto escritora, Alzira Reis oscila entre a crônica e a poesia livre.

A seguir, um dos pemas de Alzira Reis:



   Homenagem-autópsia

Esta é Alzira Reis

As homenagens são sempre póstumas
Não há diferença entre homenagear e fazer uma autópsia
Só mudam os instrumentos cirúrgicos

A estátua é uma homenagem grandiosa
Mas está morta.

As biografias
Deveriam ser chamadas de thanatografias

Mesmo quando se escreve sobre quem ainda está vivo,
Escreve-se dos mortos que habitam o cemitério das histórias pregressas
Pois, já é bem sabido que os seres vivos são túmulos
À espera de serem fechados no dia fatídico e misterioso.

Quando estes túmulos são bem cuidados
E neles se depositam flores
Exalarão cheiro de flor
                                                           
Mas, quando são mal cuidados ou somente pintados,
Não há como impedir que exalem o terror e a hipocrisia
Porque a fedentina sopra onde quer

                                                             E nem a melhor tinta é capaz de proibir o olfato atento
                                                             De saber donde a inhaca vem e para onde vai...
                                                             Não direi que as homenagens são inúteis

Pois a morte não é inútil.
Ao contrário, Ela é decisiva,
Pois é Ela a força motriz das decisões
Só decidimos porque enquanto não se decide
A morte não deixa de bater à nossa porta
E, na ausência de batidas na porta da frente
Ao menos nos tranquiliza fingir que a morte
Não está na nossa soleira
A homenagem é fruto de uma covardia

De um retardo.

Esta é Alzira
Prestamos homenagens por não prestarmos atenção
Quando atenção é preciso
Homenageamos por não termos coragem
De assumir o risco de improvisar o amor que sentimos
Enquanto a cena está acontecendo
A homenagem é a espera para dizer Eu te amo
Depois que se abaixam as cortinas...



Les eaux de mars - Georges Moustaki

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