29 de novembro de 2011

Marina Colasanti, Almodóvar e o alerta de incêndio no cinema do shopping

Marina Colasanti - Fonte: Diário de Pernambuco
Um cheiro de gás carbônico (se era monóxido ou dióxido, não sou capaz de definir) entrou, hoje, na ponta dos pés, nas salas de cinema do Shopping Recife.

As pessoas se alvoroçaram, mas ninguém correu nem gritou. Todos saíam e, como manda a boa educação, paravam para dar licença a outros que também buscavam a saída.

No hall do Multiplex, não havia fumaça e, rapidamente, pessoas - sem temer pela pele em que habitavam - voltavam à sala de cinema. Estava tão perto o fim do filme de Almodóvar...

Ninguém se sentou. Ficavam todos de pé nos corredores laterais:. O bom senso... Este havia permanecido sentado, ignorando o alerta de incêndio.

A espera pelo final do filme fez as pessoas se esquecerem do cheiro de carbono. O medo estava em suspense até que se desligou a tela e todos se foram. O final do filme teve seu recomeço marcado para outro dia, uma outra alvorada qualquer, desde que se respeitando o prazo de validade do ingresso: de sete dias: o mesmo prazo de validade da criação do mundo?

As pessoas... Ligadas no fim do filme e esquecidas do cheiro de carbono. Pra que se importar com incêndios e com cheiro de carbono se o aquecimento do planeta é irreversível? Esta pergunta me lembrou uma que, recentemente, fiz à escritora Marina Colasanti, às margens do cais de Santa Rita, durante a Mostra Sesc de Literatura Contemporânea, em Recife.

Perguntei a ela qual era a diferença de se ter sonhos no passado e hoje. Ela respondeu que hoje, como em tempos de guerra, a esperança parecia estar em suspense, pois ficava difícil fazer planos e ter esperança quando o mundo tem um incêndio à porta.

"Os jovens de antes tinham como ideal tornar efetivo um projeto de vida. Os de hoje querem o sucesso imediato, independentemente de projetos", dizia a escritora.

O realismo de Marina Colasanti estava longe da amargura. Como ela indiretamente afirmou, evitar a amargura é a forma mais realista de se enfrentar os tempos de guerra, os tempos em que a esperança fica sob suspeita. E, como ela mesma disse: "As guerras sempre terminam".

19 de novembro de 2011

O que fazer quando se chega atrasado a um incêndio? Reflexões sobre o filme Incendies

Lubna Azabal em cena do filme Incendies (produção franco-canadense: 2010)


Cheguei atrasado à sessão do filme Incendies (de Denis Villeneuve), exibido e debatido durante a I Semana de Encontros de Francês (Senfle) da Universidade Federal de Pernambuco.

Mas isso foi útil. Éramos o filme, minhas lacunas e eu, na busca pela coerência! Logo percebi que Incendies era daquele tipo de filme que se passa uma parte na tela e outra no:

Opção A: coração
Opção B: mente
Opção C: espírito
Opção D: coração-mente-espírito

Só não dá pra se ter como opção: "Nenhuma das alternativas acima"! Alguém poderia dizer: "Mas isto que você está dizendo acontece com todo tipo de filme!"

Não. Existem filmes que fingem falar ao coração enquanto falam somente à mente. São, parafraseando Rodrigo Carreiro, filmes extratores de lágrimas, os quais funcionam como uma espécie de Pavlov vestido com requintes de cruelarte.

Carreiro aproxima este tipo de filme do que conhecemos como melodrama, o gênero da emoção fácil. E, como destaca ele, o melodrama é necessário e, em certa medida inescapável. Mas, como se sabe, o melodrama em suas origens requer um certo analfabetismo da mente (da racionalidade) e uma intensificação do lado emocional para ter êxito. Não é à toa que o pipoco desse gênero coincide com a expansão da alfabetização na Europa (fins do século XVIII e início do XIX?), momento em que a gramática dos afetos tentava fugir, romanticamente, do impulso monopolizador da racionalidade iluminista .

Em sendo assim, o que acontece marcadamente em parte do cinema hollywoodiano, que fala à mente fingindo falar ao coração, seria de fato melodrama ou uma simulação deste gênero? Adotarei a estratégia daqueles que não acham resposta para as perguntas que inventam: seguir em frente!

Existem filmes que falam prioritariamente à mente - tipo os documentários. E há também os que falam ao espírito. Neste grupo, incluem-se os filmes que, de algum modo, remetem àquela experiência relatada pelas pessoas que tiveram experiência de quase-morte e descrevem como um dos sintomas o de ver diante delas o filme da própria vida. Contudo, eu é que não vou me arriscar a dizer que tipo de filme fala ao espírito. Trata-se de uma experiência íntima, intransferível e da qual só a poesia, em sua hermosa precariedade, pode se aproximar.

O que me chama atenção em Incendies é que esse filme me faz ficar indeciso com relação à lista de opções escrita acima. Isso faz com que uma cena que, na linearidade do melodrama, causaria "naturalmente" lágrimas, seja recepcionada por sentimentos indecisos. A emoção, assim como o filme, fica fraturada e a lágrima, prestes a cair, fica em suspense, atravancada por sentimentos paralelos como a aridez, o desencanto e a desesperança.

O filme nos lança de volta à atmosfera da tragédia grega, como observou Gustavo Táriba, mediador do cine-debate e professor da Aliança Francesa do Recife. E os personagens tentam fugir dessa atmosfera trágica com nobreza e valentia. Por meio da tentativa de acessar as raízes familiares, desafiam a força do destino que diz "É assim!" e deixam que sua jornada seja motivada pela pergunta: "Como poderia ter sido?".

Busca tola e previamente frustrada? Isso cabe a cada um que assiste ao filme responder. Mas outra hipótese que o filme nos permite formular é a de que quando não se pára de cavar diante da frustração e da camada superficial do "É impossível",  o terreno arqueológico da vida revela camadas profundas de surpreendente esperança, amor e fé. São as chamas que sobrevivem, teimosas e cativantes - aos incêndios da jornada humana:  "A morte nunca é o fim de tudo. Sobram traços".

Mas, chega de melodrama. E que Pavlov descanse em paz!

Confiram o blog da I Semana de Francês Língua Estrangeira (Senfle).

Confiram também uma boa resenha do filme Incendies.

17 de novembro de 2011

O primeiro emoticon ou sobre o risco de exercer a liberdade e de se apaixonar depois de ler Nietzsche

O Smiley original - 29 anos de existência



Li Nietzsche hoje de manhã: a Gaia Ciência.

Depois tive aula inesquecível sobre o tema com o filósofo Lourival Holanda.

Conclusão: vontade de ser menos racional e enfrentar o perigo libertador do dionisíaco.

À noite, declarei a paixão que sentia por meio do olhar.

De madrugada, por meio de palavras

Obtive resposta.

Utilizei o Google tradutor para traduzir a resposta e tive um choque

Quem não tiver coração forte, não use o Google tradutor (:

Preferi confiar no meu precário poder tradutório: mais seguro que o do Google

Confiei também nos indícios que um emoticon de sorriso me trazia ao fim da mensagem de resposta que recebi.

Agora, espero que a ferida que a liberdade nitzscheana me abriu cicatrize

E que bom que tive a coragem de me ferir com esta espada de liberdade...

15 de novembro de 2011

O que é macroeconomia? Pergunte à paixão! O que é ouro? Pergunte à bijuteria! O que é capitalismo? Pergunte à igualdade!


Fonte da imagem: blog do Fernando Nogueira


Macroeconomia (do grego: μακρύ-ς /ma΄kri-s/ grande, amplo, largo e οικονομία /ikono΄mia/ lei ou administração do lar) é uma das ramificações da ciência econômica, dedicada ao estudo, medida e observação de uma economia regional ou nacional como um todo.

Indagado por alguém recentemente, sobre o que era macroeconomia, respondi conforme a definição acima. Na verdade, não foi bem uma indagação que partiu deste alguém, mas sim uma leve indignação, uma suspeita quase: "De que wikipedia ou bula de remédio ou orelha de livro terá vindo este conhecimento?".

Quando dei a resposta ou tentei dar, fui interrompido: interdit de donner ma reponse. Em seguida à interdição, uma resposta formulada por meu "oponente": "A macroeconomia está ligada a outras variáveis que não a demanda, a oferta, etc.".

Estávamos ambos certos - o alguém e eu. E eu não tive forças para lutar por minha certeza. Foi como se estivesse numa cruz e um martelo socrático quebrasse meus joelhos. Não tive forças para brigar por minha certeza porque estava-estou apaixonado por Alguém. 

Enfim, entendi a filosofia de Sócrates. Ele não buscava fazer dos outros portais para alcançar certezas plenamente despidas de dúvida. Sócrates (ao menos o Sócrates que Platão não platonizou) queria que olhássemos nossas certezas como quem está apaixonado, pois a certeza, sem a ferida da paixão-dúvida, é menos equilíbrio e mais anestesia. É melhor estarmos em dívida-paixão com a certeza do que nos deitarmos com ela na pedra gelada do necrotério-avareza.

Estamos entrando numa era perigosa, mas libertadora. Agora, há bijuterias que, pelo conceito que encarnam, tornam-se mais preciosas que o ouro. Programas de computador permitem que potenciais criativos, antes inibidos pelo monopólio da técnica e do saber especializado - aflorem radiantes.

O mundo, com isso, pergunta-se como vai ser possível vivermos num mundo em que todos podem expressar igualmente seu potencial criativo e onde o ouro vale menos que a bijuteria. Como sobreviverá a ideia de valor, diante da igualdade desconcertante que nos assalta?

O maior desafio/graça a ser enfrentado/alcançada pelo Capitalismo não é a ameaça da igualdade de iguais, mas sim a efetivação da igualdade de diversidades.

Antes, a estratégia para se desmerecer um pensamento era desmascarar-lhe os limites, revelando o que vulgarmente é chamada de burrice. Hoje, busca-se mascarar a inteligência própria e a dos outros, a fim de se gerar o efeito-burrice, num gesto desesperado de enfrentar algo que nosso aparelho psíquico ainda não é capaz: um mundo em que todos são, de fato, e estão, de direito,  tornando-se igualmente inteligentes.

A estratégia de Alguém (ou que moi, Je lui donne suscité pour ma espoir/trompe-l\'œil) continua surtindo efeito. É o efeito da pergunta-encantamento de amor: "O que é macroeconomia?". Termino esta postagem ainda apaixonado, sem resposta e, portanto, meio burro. Porém, com certeza, longe do necrotério-avareza!

A charge que abre esta postagem vem do blog de Fernando Nogueira Costa e ilustra um texto sobre as variáveis "não-racionais" que influenciam a economia, mais especificamente a paixão e o amor.

A música abaixo vai para alguém e Alguém.


Overjoyed - by Steve Wonder

10 de novembro de 2011

Venti del cuore e a cicatrização das feridas abertas pela aprendizagem de um novo idioma

Fonte: Instituto de Pesquisas Projeciológicas e Bioenergéticas



Ontem, num resto de madrugada implícita de eternidade espontânea, conversava com uma grande amiga de nome russo, cujas letras só consigo escrever com ajuda da tecla CTRL.

Анушка Ваз e eu lembrávamos de como a música ajuda aquele que está aprendendo um novo idioma. E descobrimo-nos ambos devedores de um professor de italiano que, sem se dar conta, deve ter ensinado italiano a muitas pessoas. Renato Russo, com seu disco Equilíbrio Distante, de 1995, doa-nos o que ele chama de Venti del cuore (ventos do coração).  

Esses ventos existem de fato como têm revelado imagens feitas pelo sempre mais recente telescópio inventado: o Poiesis. E têm poder cicatrizador. E sabe-se que uma nova língua é uma ferida aberta rumo a uma cicatrização que nunca ocorrerá em plenitude, visto haver entre os idiomas um abismo tradutório intransponível como o que separa os vivos e os mortos. Mas, mesmo assim, conseguem-se bons índices de cicatrização.

Entre as referidas feridasestão a memória rivalizante do idioma natal e o medo de andar sobre a corda bamba que se estende sobre o abismo que separa os dois idiomas. Esta corda é feita com o mesmo tipo de material do fio de prata que prende a alma ao corpo e que, nas viagens astrais e nos sonhos, permite que viajemos pelo universo, até um determinado limite...

Aprender nova língua é conviver com o abismo e pra isso não vale sonegar o desequilíbrio dos passos na corda bamba. Os ventos do coração ajudam-nos a dar coreografia aos desequilíbrios, fazendo deles espécie de balé ou outro tipo de dança, conforme a paixão com que estes ventos sopram.

Perguntem-me de que são feitos estes ventos e eu, sem tê-los visto, mas os tendo sentido, precipito-me em dizer que são feitos do idioma da música, a quem foi concedido o direito de, sem palavras, vencer os abismos tradutórios plantados pela queda da Torre de Babel.

Mas, não se pode confiar completamente nos ventos, nem na música. Os dois são como os anjos do poema de Renato Russo. Eles passam por nós, nos tocam com a memória do paraíso, onde havia uma língua clara e universal, mas, a seguir, nos abandonam com a fome de retorno ao paraíso perdido e a fome de palavras, decorrente da afasia posterior aos raros e intensos contatos com a eternidade.

A explicação dada pelas correntes neopentencostais ao dom de falar em línguas estranhas resume bem o proósito de aprender um novo idioma. Não aprendemos nova língua pra dizer o que poderíamos dizer com nossa língua materna. Aprendemos porque as línguas estranhas ou estrangeiras nos permitem falar de algo que nossa linguagem familiar não nos permite.  

No dom das línguas (um dos dons do Espírito Santo), contudo, esta necessidade atinge o clímax, ligando-se a um momento em que se escolhe uma língua impossível de ser traduzida pela linguagem humana para dar conta dos mistérios que a mesma linguagem humana não consegue abraçar.

Assim, aprender um novo idioma é o esforço de apreender o mistério de nosso idioma materno. Perseguir este mistério é seguir os rastros deixados pelo que, tomando emprestado a expressão desenhada por Renato Russo, chamaria de "fantasmas do amor".



E i venti del cuore soffiano
e gli angeli poi ci abbandonano
con la voglia di voci e di persone
seguendo fantasmi d'amore
i nostri fantasmi d'amore,
seguendo fantasmi d'amore
i nostri fantasmi d'amore,
Quando i venti del cuore soffiano
seguiamo fantasmi d'amore
i nostri fantasmi d'amore.
Quando i venti del cuore soffiano
seguiamo fantasmi d'amore
i nostri fantasmi d'amore.
seguiamo fantasmi d'amore
i nostri fantasmi d'amore.







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