16 de março de 2011

O que aprendi com Bruna Surfistinha e filósofos

Lançado pela Editorial Presença.
Destila Cioran, com o elegante e doce veneno-remédio da ironia: “Se acreditamos com tanta ingenuidade nas idéias é porque esquecemos que elas foram concebidas por mamíferos”.

As prostitutas não são citadas. Também como isso poderia acontecer se, classicamente, elas não têm nome. Hoje podem ser Maria, amanhã Madalena e depois, quem sabe?, Maria Madalena.

As prostitutas têm nome de batalha, mas permanecem anônimas.

O prazer que as prostitutas proporcionam é pelvicamente abraçado pelo anonimato. Por isso, quando uma prostituta ou ex-prostituta se lança como escritora vira, na melhor das hipóteses, alvo de bom-humor e, na pior, de chacota.

O que é atribuído como pecado à prostituta não é o fato de ela escrever, mas de pensar. Não é o fato de publicar um livro, mas de tornar-se uma figura pública, mesmo que escoltada pelo rótulo de pseudo-celebridade.

Existe um pensamento por si só bom, belo e justo? Existe uma vagina ou um pênis, por si só, bom, belo e justo? O que faz um pensamento é um abraço pélvico entre pensamentos, assim como o que faz o sexo é o abraço pélvico entre o pênis e a vagina, ou entre os pênis, ou entre as vaginas. Assim como o que faz o amor é o abraço entre os seres: em corpo, alma e divindade. Não importa: o que faz o bom, o belo e o justo é o abraço. Meu pensamento só, o de Paulo Coelho só, o de Cioran só, o de Diderot só, o dos idealistas só: são todos iguais, igualmente ___________ (complete com o que quiser!)

Quem é mais digno de pensar: Cioran ou Raphael, Miguel ou Clécio, Paulo ou Machado? Bruna ou você ou Eu? Responda esta pergunta colocando-se no lugar do coelho de Alice no País das Maravilhas. Responda como quem é pressionado pelo tempo, pela história e não como quem vive de reflexão: da prisão em sua auto-imagem veiculada por espelhos.

As prostitutas - tantos dirão, pensarão e quererão - não podem converter-se, nem se o próprio Cristo endossar o cheque a ser descontado no banco do desejo de mudar. É como se a vida delas fosse um cheque cruzado pelo demônio, somente por ele podendo ser descontado. E quem não tiver sede de mudança que atire a primeira certeza! Se Jesus tivesse feito essa convocação, tavez sua morte não tivesse sido morte de cruz.

Uma prostituta que escreve, lê, pensa! Mais fácil seria Paulo Coelho fazer essas coisas, não é mesmo? Pode uma prostituta surfar? Pode um surfista filosofar? Pode um filósofo ser um empreendedor? Pode um empreendedor ser um filósofo? Pode um bruxo ser acadêmico?

Quantas perguntas precisam ser feitas para se desfiar o rosário dos preconceitos? Sei somente que até a rosa-dos-ventos se cansa de ser unicamente norte, sul, leste e oeste, desabrochando nordestes, noroestes e outros “estes” e fugindo da unidirecionalidade.

Texto leve e divertido... Qual?: o de Bruna Surfistinha, o dos filósofos, o de quem cita ou o de quem é citado? O de Maria Bethânia, que poderá vir a ser financiada pelo Ministério da Educação, com até metade do valor pago pelo Big Brother, ou o dos anônimos financiados pela cultura que não há nos ministérios?

Será que se Bruna Surfistinha fosse citada como uma anônima, e seu livro fosse mencionado como “um espaço”, ela não se tornaria mais digna de ingressar na Academia?

E se Madame Bovary citasse Bruna em seu blog? Será que ela não seria aplaudida de pé? (Qual das elas? Escolha por si só, se for possível).

Decidir quem é digno de falar, quem é digno de pensar, quem é digno de ter um nome, quem é digno: sonhos de fariseu abrigados na minha-sua-nossa alma tupiniquim.

A crítica da razão não permite que os fariseus descansem em paz. E eles não descansarão em paz enquanto continuarem sendo imitados?

Comecei esta postagem citando Cioran porque talvez – tão-semente talvez – os títulos, as honrarias e as licenças poéticas continuem precedendo o diálogo e o entendimento.

Aproveito o espaço para recomendar o texto Filosofia e Prostituição, escrito antes deste e depois de outro, por Raphael Douglas, no blog Um ano Existencialóide.


16/03/2011, 22h37: Ao trocar um "n" por um "m" ou um "c" por um "ç", quantos canhões-preconceito faço serem virados contra mim?

Erro propositalmente como forma de cutucar os que desejam secretamente a ruína alheia. Texto que se refaz ao longo do dia, como quem diz: "não se afobe não, que nada é pra já". A escrita-em-mutação. O futuro descobrirá que quem  inventou esse tipo de texto não fui eu, mas sim Chico Buarque de Holanda (:

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